Os grandes incêndios rurais ocorridos no verão mostraram “insuficiente qualificação” de alguns comandantes e “grande desconhecimento” sobre a nova geração de fogos, concluiu o Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil.
“Grande desconhecimento técnico e científico quanto às características destrutivas dos incêndios designados como de ‘sexta geração’ e suas causas, tanto pelos operacionais como pela academia, com inevitáveis consequências no processo de planeamento e de decisão estratégica, nas operações de combate aos mesmos”, refere o Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil (CEIPC), numa análise efetuada aos maiores incêndios que deflagraram este ano, a que agência Lusa teve acesso.
Os incêndios designados como de ‘sexta geração’, que ocorreram pela primeira vez em Portugal em 2017 e repetiram-se este ano, são tão intensos que chegam a transformar-se em tempestades de fogo.
Do estudo realizado aos fogos deste ano, o CEIPC, presidido pelo especialista Duarte Caldeira, concluiu também que há uma “insuficiente qualificação de alguns elementos nomeados como COS [comandante de operações e socorro], para o desempenho de funções de comando estratégico de grandes incêndios, circunstância a exigir uma qualificada reflexão quanto à formação a ministrar aos referidos elementos, bem como relativamente ao perfil dos mesmos”.
Em relação à natureza operacional, o CEIPC detetou igualmente “insuficiente preparação física” de muitos elementos dos corpos de bombeiros e sapadores florestais envolvidos no combate a incêndios rurais, “com manifesto risco da sua eficiência operacional, bem como da sua segurança, saúde e bem-estar”, “elevado número de acidentes com veículos” dos bombeiros, “indiciando deficientes condições de segurança” dos carros ou “de formação e treino dos respetivos condutores” e “falta de áreas de descanso para os elementos empenhados” no combate em longos períodos.
O estudo dá conta de um “manifesto desperdício operacional” nas atuações de meios aéreos “devido a deficiente preparação de alguns pilotos para a natureza da missão, bem como do processo de comunicação estabelecido a partir dos teatros de operações”, e da “existência de várias zonas do território do continente sem cobertura de redes públicas de comunicações eletrónicas”.
Em questões de natureza política, o CEIPC identificou como debilidades a “falta de um nível intermédio de coordenação entre o patamar nacional e o municipal do sistema de proteção civil, que substitua a que era desempenhada pelos governadores civis, para articulação entre a decisão política e a decisão operacional, patamar este não exercido pelas Comunidades Intermunicipais” e “deficiente funcionamento de muitos Serviços Municipais de Proteção Civil”.
Outras das conclusões passam pela “insuficiente cobertura do Programa Aldeias Seguras Pessoas Seguras”, “limitados poderes das autoridades municipais de emergência”, designadamente os presidentes de câmaras municipais, e “incapacidade do Estado e de outras instituições públicas procederem à gestão de combustíveis nas áreas florestais de que são proprietários”.
O centro de estudos refere ainda que “voltou a constatar-se que o país perdeu o controlo sobre o seu território” o que demonstra “o total fracasso das políticas de ordenamento territorial”.
O estudo elaborado pelo CEIPC teve por objetivo avaliar as debilidades do sistema de proteção civil, na sua interação com o sistema de gestão integrada de fogos rurais, nos respetivos modelos vigentes, quando submetidos a grandes incêndios, como os ocorridos este verão.
Segundo o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), os incêndios rurais consumiram este ano 110.007 hectares, o valor mais elevado desde 2017, tendo sido o fogo da Serra da Estrela o que registou maior área ardida, com quase 25.000 hectares.
Em comparação com 2021, a área ardida mais do que triplicou, tendo as chamas consumido este ano mais 82.796 hectares, e os incêndios aumentaram 40%, para um total de 10.449 (mais 2.997).
De acordo com o ICNF, o ano de 2022 apresenta “o quarto valor mais reduzido em número de incêndios e o quinto valor mais elevado de área ardida, desde 2012”.
Além do incêndio da zona da Serra da Estrela, este ano ocorreram também fogos de grande dimensão nos distritos de Vila Real e Leiria.
Criado em 2012, o Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil é uma associação privada sem fins lucrativos que tem por missão “a produção e divulgação de informação, bem como a realização de estudos e trabalhos de investigação que contribuam para a construção de uma cidadania responsável e interventiva, no âmbito da Proteção Civil”.