O debate parlamentar que amanhã tem lugar sobre o estado da nação é um momento importante para pôr em cima da mesa problemas estruturais da sociedade portuguesa, muitos deles ligados a questões ambientais. Em antecipação do debate, a ZERO identifica cinco áreas críticas onde Portugal continua a marcar passo e que, sem alterações profundas nas perspetivas e políticas defendidas, continuarão nessa mesma trajetória, impedindo Portugal de melhorar os seus sindicadores de sustentabilidade.
Clima a aquecer e emissões a crescer
A ZERO elogia o facto de Portugal ter sido dos poucos países que apresentou, dentro do prazo, o seu Plano Nacional de Energia e Clima cujo conteúdo é bastante ambicioso, apesar de algumas metas não estarem ainda alinhadas com o exigido à escala europeia e alguns usos, nomeadamente do hidrogénio verde, serem bastante duvidosos. A divisão nas Secretarias de Estado do Ambiente e da Energia e Clima foi um passo positivo que está a ter resultados. Porém, a regulamentação da Lei de Bases do Clima demorou muito e a sua aplicação está muito atrasada. Mais ainda, os indicadores mais recentes mostram um país em total contramão no que respeita aos objetivos de redução de emissões para 2030 – dados recentes mostram que, em 2022, as dez maiores instalações/empresas poluidoras em termos de gases com efeito de estufa em Portugal aumentaram em 18 por cento as suas emissões. As emissões dos transportes não param de aumentar, com as vendas de combustíveis a aumentarem 10 por cento entre os meses de maio de 2022 e 2023. Ao mesmo tempo, as temperaturas elevadas e a seca em Portugal mostram um país impreparado em termos de infraestruturas e atividades como a habitação ou a agricultura, respetivamente, sem medidas de adaptação em aplicação.
Um país sem planos para um uso eficiente da água
Os efeitos das alterações climáticas, expressos nas reduções significativas da precipitação em Portugal, conduzem a situações de seca severa e extrema cada vez com áreas, frequência e intensidade maiores, principalmente no Alentejo e Algarve. Apesar de alguns investimentos previstos nos planos regionais de eficiência produzidos, estes focam-se maioritariamente em aumentar disponibilidades hídricas para alimentar um consumo crescente de água, continuando a não existir um plano nacional de médio prazo para um uso eficiente da água. Este terá de passar, necessariamente, pelo conhecimento dos usos atuais e dos sistemas aquíferos, pela melhoria da rede de monitorização e pela imposição de limites à expansão do uso em territórios críticos, sobretudo do agronegócio. As soluções de reutilização estão a avançar de forma demasiado lenta, com uma percentagem inferior a dois por cento, e arriscamo-nos a fazer investimentos enormes em dessalinização, com enormes consumos de energia, mesmo que renovável, sem termos uma adequada e estruturante gestão da procura. Na agricultura, os objetivos gerais da nova estratégia nacional para o regadio público já estão definidos sem participação pública efetiva. Prevê-se a continuação do investimento público em projetos desenhados para beneficiar monoculturas em grande extensão e o modelo industrial que se consolida em oligopólios, com novos regadios de grande dimensão previstos e a expansão dos existentes, num reforço nas disponibilidades de água para alimentar a procura. Estamos a sedimentar uma visão da água estritamente mercantil, num setor que é responsável pelo uso de cerca de setenta por cento da água. Também na água para consumo humano, em 76 entidades gestoras, em baixa, com cobertura de gastos deficitária, 60 apresentam elevadas perdas de água (água não faturada).
Uma “mono-agricultura” e uma floresta que continua pouco resiliente
A política agrícola contínua a definir-se ao sabor dos interesses dos mais favorecidos. Prevê-se a continuação dos subsídios para, essencialmente, a grande propriedade rural e o agronegócio, em detrimento da agricultura familiar e da pequena agricultura. É grave a inexistência de uma ponderação dos resultados das políticas dos últimos 20 anos, com o envolvimento da sociedade. As paisagens industriais de monoculturas, a degradação da biodiversidade, da rede hidrográficas e dos solos, a exploração laboral e o contínuo despovoamento são consequências das políticas escolhidas. Urge incorporar uma abordagem agroecológica na definição de políticas.
A floresta de hoje, não é muito diferente da que foi afetada pelos grandes incêndios em 2017, nomeadamente o contínuo de floresta não gerida sem a devida compartimentação e o predomínio da pequena propriedade no centro e norte do país ainda sem soluções adequadas de financiamento público e com um longo caminho a percorrer na sua gestão agrupada. Os problemas estão diagnosticados, há um conjunto de políticas que pretendem alterar o paradigma da paisagem, promovendo uma utilização multifuncional, tornando a floresta mais resiliente aos incêndios. Contudo, é necessário um investimento público para alavancar essa mudança, onde não sejam esquecidos o minifúndio e a remuneração dos serviços de ecossistemas.
Resíduos muito aquém das metas
Na área dos resíduos não se vislumbram ainda as mudanças necessárias para que Portugal consiga mais do que duplicar a sua taxa de reciclagem de resíduos urbanos em menos de 3 anos tendo em vista o cumprimento da meta de reciclar 55% em 2025. O facto de os fundos públicos estarem a ser aplicados mais em função da execução financeira do que dos resultados alcançados não será alheio aos péssimos resultados registados, desde logo porque esta abordagem não favorece a adoção das melhores práticas por parte das entidades gestoras e dos municípios.
Persiste ainda a eterna dificuldade em tirar lições do que correu menos bem ao longo dos quase 30 anos de política nesta área. O atraso na implementação do sistema de depósito para embalagens de bebidas descartáveis, o contínuo adiamento da recolha de proximidade e a dependência de soluções através de ecopontos para promover a recolha seletiva de materiais, incluindo agora a recolha dos biorresíduos, bem como a fraca aposta no uso de ferramentas económicas para modelar comportamentos por parte dos agentes do setor, empresas e cidadãos, são outros fatores a ter em conta para justificar o mau desempenho de Portugal. As falhas na qualidade dos dados e na verificação do reporte feito pelas entidades gestoras de diferentes fluxos de resíduos (por exemplo das embalagens e do equipamento elétrico e eletrónico) é mais um contributo.
A cereja no topo do bolo é mesmo o desinvestimento na prevenção da produção de resíduos com a pouca atenção dada ao cumprimento de obrigações que já existem em lei e a anunciada redução da ambição nesta matéria. São exemplos claros deste desinvestimento o facto do PERSU2030 prever apenas a estagnação da produção e não uma redução efetiva da produção de resíduos e do governo ter assumido à ZERO que irá reduzir a ambição de metas e objetivos de reutilização que existem na legislação portuguesa.
Uma pegada insustentável por resolver
Face ao referido anteriormente, não é surpreendente que a pegada ecológica Portuguesa seja muito superior à desejável. De uma forma mais concreta, se cada pessoa no Planeta vivesse como uma pessoa média portuguesa, a humanidade exigiria cerca de 2,9 planetas para sustentar as suas necessidades de recursos.
De uma forma global o nosso modelo de produção e consumo que suporta o nosso estilo de vida é responsável por este desequilíbrio. O consumo de alimentos (30% da pegada global do país[1]) e a mobilidade (18%) encontram-se entre as atividades humanas diárias que mais contribuem para a Pegada Ecológica de Portugal. Num estudo recente realizado pela ZERO sobre o conceito de Economia do Bem-Estar, ficou bem patente o que ainda nos falta fazer. A circularidade dos materiais em Portugal é de apenas 2,2%, quando a média comunitária está quase nos 13%, isto segundo dados do Eurostat. Na área da mobilidade, apenas 9,7% do consumo final bruto de energia nos transportes provém de fontes renováveis, segundo dados do Eurostat. Planear tendo uma abordagem focada na promoção de uma economia do bem-estar exigirá olhar para os recursos numa ótica regenerativa e não extrativa, fomentando cada vez mais uma abordagem baseada na suficiência. Os recursos são limitados e mesmo os de origem renovável têm limitações e impactos resultantes da sua utilização, pelo que o modelo atual de produção e consumo tem de ser repensado com urgência, se queremos cumprir objetivos de sustentabilidade.
[1] Galli, Alessandro; Pires, Sara Moreno; Iha, Katsunor;, Alves, Armando Abrunhosa; Lin, David; Mancini, Serena; e Teles, Filipe (2020): Sustainable food transition in Portugal: Assessing the Footprint of dietary choices and gaps in national and local food policies, Science of the Total Environment: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969720348361
Fonte: Zero