As populações afetadas pelo incêndio na Serra da Estrela viveram, nestes últimos dias, “um milagre no meio do inferno” e, agora, vivem a esperança de assistirem ao “milagre da chuva” e da justiça.
“No meio de tudo até tivemos muita sorte, podia ter ardido tudo e morrido muita gente. Isto foi um milagre no meio do inferno que vivemos. Sim, porque isto foi um autêntico inferno o que vivemos, é difícil de contar”, apontou Joaquim Lopes.
Este habitante de Sarzedo, concelho da Covilhã, disse à agência Lusa que “nestes últimos dias ninguém tem descansado muito, ou com o receio das chamas ou porque se fica a sofrer muito com tudo o que se perdeu”.
Além das “dores da perda, há também as dores físicas, porque os olhos ainda ardem com o fumo e a cabeça ainda não está bem.
“Foi muito fumo” que foi respirado ao longo dos dias e que “depois do vírus da covid não fará muito bem”.
“As vinhas, os castanheiros, a agricultura, foi tudo. A minha mãe, com 96 anos, foi levada para casa da minha irmã, na Covilhã, e eu, com 69 anos, cá fiquei a tentar proteger alguma coisa, mas foi muito difícil, se não fossem os bombeiros não sei o que seria de nós”, reconheceu.
Também em Sarzedo, Carlos Lopes contou à agência Lusa que andou “desaparecido umas horas, porque estava a ajudar um sapador e as chamas aproximaram-se e foi um para cada lado da mangueira”.
“Ele seguiu a mangueira e eu fugi para o outro lado. A GNR já andou à minha procura, porque ainda fui dado como desaparecido. Felizmente, estou cá para contar história. Foi um milagre não ficar no meio das chamas, com o fumo que respirei”, reconheceu.
Carlos Lopes lamentou ainda “os milhares de euros que foram gastos no inverno para fazer estradas de contenção e que não valeram de nada”.
“As estradas têm 150 metros de largura e passou tudo de um lado para o outro”.
“Os governantes pedem para limparmos os terrenos e nós, com muito esforço, vamos limpando. E temos sempre a GNR em cima de nós, mas depois a gente vê as estradas que não estão limpas, está tudo cheio de mato, por limpar”, acusou.
O sentimento é comum em outras povoações por onde o incêndio, que deflagrou no dia 06, em Garrocho, na Covilhã (Castelo Branco), e cujas chamas se estenderam ao distrito da Guarda, nos municípios de Manteigas, Gouveia, Guarda e Celorico da Beira, e atingiram ainda o concelho de Belmonte.
“Isto foi um milagre não ficar ninguém no meio das chamas. Isto ardeu tão depressa, parecia um inferno! E terem ardido ‘só’ palheiros foi outro milagre. Houve uma ou outra casa e de resto salvou-se tudo!”, apontou António Gonçalves.
Em Verdelhos, município da Covilhã, “o incêndio andou a toda a volta, desde o início, na outra semana, continuou a arder ao redor” e, na segunda-feira, “com o reacendimento, quase entrava pela povoação, mas estancou no rio”.
No entender de António Gonçalves, “se houvesse Justiça em Portugal isto não acontecia”, já que “ninguém acredita que um incêndio começa sozinho às 03:00 da madrugada, [em 06 de agosto] sem trovoada, sem nada”.
“Não sei quem tem interesse nisto, mas devia haver justiça, mas não, eles ficam em liberdade, não acontece nada. E não me venham cá falar em maluquinhos, porque maluquinhos conheço-os bem e não é isto que fazem”, acrescentou.
A estrada que liga a Senhora do Carmo, no Teixoso, Covilhã, e onde ainda se encontra o posto de comando diretor, até Manteigas, cerca de 35 quilómetros, é, ao dia de hoje, mais usada por veículos da proteção civil e da comunicação social, numa paisagem negra e de cheiro intenso.
“Agora é olhar para o futuro com otimismo e continuar a acreditar em milagres, porque perdemos tudo. Os nossos produtos, o nosso azeite que nos dá para o ano e para os filhos também, porque sabemos o que comemos e sempre os ajudamos”, disse Maria José.
Um prejuízo que Maria José lamentou ser agora, “quando tudo está mais caro nas prateleiras dos supermercados, é que havia de arder todo o sustento” do ano, seja nas árvores de fruto, como nas batatas e cebola, “que algumas ainda estavam na terra”.