O Douro e, em especial, o vinho do Porto, irão atravessar uma crise a curto prazo, sem precedentes neste século, a menos que sejam tomadas medidas de grande alcance nos tempos mais próximos: o Porto, a cidade do Porto e toda a área metropolitana do Porto e Gaia, têm de melhorar a atitude perante os vinhos da Região Demarcada do Douro.
Há muito que se sabe, e está escrito, que para uma região ou um país serem grandes produtores e exportadores duma categoria de vinho, é necessário que, antes de mais, essa região e esse país sejam os seus grandes apreciadores e consumidores. É necessário que essa região e esse país tenham desse seu produto o maior e melhor conhecimento. E nunca lhe descurem a qualidade e o valor.
Ora, acontece que os vinhos do Douro, e especialmente o Vinho do Porto, estão presentes na História do Grande Porto, mas estão a ficar ausentes das bocas dos seus habitantes e, indesculpavelmente, em segundo plano (ou em plano nenhum) nos menus de restaurantes e bares destas cidades. Que mistério haverá para que se chegue ao absurdo de o “vinho da casa” nalguns deles ser de outras regiões mais longínquas do país? Dizem-me que é o preço… mas isso não é justificação para uma coisa que é muito importante: tem de haver bairrismo na defesa, por parte do Grande Porto, de tudo o que diga respeito aos vinhos do Douro e do Porto. Porque é da constelação de todos os astros que gravitam em volta dos vinhos do Douro e Porto que nasce todo o turismo, animação social e volume económico que dá o colorido à Ribeira, à marginal de Gaia, à Foz, ao comércio das ruas. Nas transações no Via Catarina, nos aviões da Ryanair, nos bilhetes do Dragão ou nas marteladas dos calceteiros das ruas da baixa, em todos esses actos há sempre uma componente que tem a ver com os vinhos do Douro e Porto. Uma componente histórica, económica, cultural e, até, ecológica: a sustentabilidade do Douro e Porto está indissociavelmente ligada à sustentabilidade das cidades do Douro e Porto.
É claro que há as exportações e é claro que há o negócio dos vinhos de colecção, raros, a preços altíssimos, que vêm dourar a pílula e pincelar o marketing. Mas se não houver um empenho especial em promover um cálice de Porto no aperitivo ou no fim das refeições, em dar primazia ao Douro nos vinhos da carta, em aumentar o consumo regional dos vinhos que são produzidos na região que fez a cidade, se não houver, e de forma significativa, os vinhos entrarão em crise, sobretudo o Porto e, depois, todo o ciclo de sustentabilidade entrará em crise.
Este aumento de pressão para que aumente o consumo só pode ter sucesso se melhorar o conhecimento do público e, em especial, dos profissionais, sobre os vinhos que oferecem ao consumidor numa mesa, numa esplanada, num bar. Refiro-me ao conhecimento dos profissionais que o não têm – temos profissionais com bons conhecimentos, com certeza melhores que os meus. Um conhecimento focado no cliente, que o saiba conduzir na escolha do melhor vinho em cada circunstância de compra ou consumo, respondendo às questões básicas sobre o Baixo Corgo, o Cima Corgo e o Douro Superior, sobre um tawny ou um ruby, sobre o que cada um gostar mais de saber explicar!
Andam por aí umas ideias algo subversivas (até cómicas se não fossem trágicas) que querem convencer os produtores de que, se não investirem muito mais em sustentabilidade, irão ser abandonados pelos consumidores e não conseguirão vender mais os seus vinhos. Até poderão ter alguma verdade implícita. Mas o que é certo é que se não se incrementar o consumo e não se aumentar o valor conseguido com toda a operação, a sustentabilidade económica de todo o processo ruirá e, com ela, ruirá toda a economia regional. Perderemos todos. A adesão dos produtores aos programas modernos de sustentabilidade é genuína e espontânea e, na maioria dos casos, suficiente para cumprimento de critérios, com algumas modificações de práticas e adequação às normas. Torna-se imperioso conseguir a adesão dos consumidores locais para que seja mais robusta a sustentabilidade do sector: temos que consumir mais vinho do Porto e mais vinhos do Douro. Ganharemos todos.
As medidas passam por mais e melhor marketing, por mais e melhor conhecimento do vinho do Porto e dos vinhos do Douro. Muito mais. E passam pela coragem que será necessário ter para se conseguir ver, ouvir e calar toda a onda de argumentos anti-vinho que nos irá atingir a breve prazo, dum lobby e activismo que pugna por ser anti-álcool mas que, na sua práxis e resultados, serve aos sectores da indústria que produzem bebidas alcoólicas que não sejam vinho! Curiosamente, note-se, o alcoolismo tem mais notoriedade nos dependentes de outras bebidas que não do vinho. O vinho, bebido com moderação, é a melhor bebida para pedagogia e cultura de quem aprecia bebidas alcoólicas.
Este artigo começou por referir a crise que aí vem. É uma crise evitável. Embora haja quem queira a crise. Como ficou provado na votação política recente sobre a Casa do Douro. Duvido que quem votou tenha consciência do alcance do que votou. Regressos ao passado, na História, foram sempre prenúncios de desastre. O “dantes é que era bom” é sempre o argumento dos que não conhecem a história toda. Do que se irá passar, os mais fortes sairão mais fortes – e isso é bom! – mas muitos dos mais fracos serão apagados – e isso é mau!
Para que o Douro e o vinho do Porto não se transformem numa segunda edição do que se passou de decadência no último meio século com o Xerez, há que melhorar o consumo dos seus produtos: manter o turismo e aumentar o consumo autóctone. Para uma região ou um país serem grandes produtores e exportadores de uma categoria de vinho, é necessário que, antes de mais, essa região e esse país sejam os seus grandes apreciadores e consumidores. O Porto tem de dar o exemplo.
Brindemos com uma das suas garrafas a um Feliz 2024 para todos!
Manuel Cardoso
Consultor e escritor
Artigo publicado originalmente em Eggas.