No passado dia 12 de outubro mais de uma centena de colegas, amigos, ex-alunos ou simplesmente “admiradores”, juntaram-se no ISA para uma (mais do que) merecida homenagem ao Professor Francisco Avillez.
No tempo em que falar de agricultura não era “fashion” porque sistematicamente desvalorizada pelo poder político e na opinião pública, sobretudo antes do período da troika, sempre considerei injusto face a outras figuras públicas que eram presença constante no espaço mediático, que ao Professor Avillez não fosse reconhecida essa capacidade de análise e de influência no espaço público, nos meios mais generalistas. Eram outros tempos, em que não existia praticamente nenhuma comunicação para fora do Setor.
No entanto, no meio agrícola e agroalimentar, Francisco Avillez fazia a diferença, marcava-nos e influenciava-nos, bem como as políticas públicas, e não havia (ainda hoje) nenhum partido do então chamada arco da governação, ou decisor político, que não o consultasse. Se efetivamente seguiam os seus conselhos, essa é outra conversa.
Bem conhecida a sua carreira académica, foi conselheiro do então Presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors, e, entre outras funções, em 2015, conselheiro especial do Comissário Phil Hogan, responsável pela pasta da Agricultura e Desenvolvimento Rural, tendo como objetivo apoiar o trabalho ao nível da comunicação e implementação de políticas. A enorme tarefa de ajudar a pensar a PAC pós-2020, a partir do processo de consulta pública em 2017, o que desde logo era também (tal como atualmente, no Diálogo Estratégico, mas com maior legitimidade, no pós-pandemia e no contexto de conflitos internacionais) uma reflexão sobre o futuro da Alimentação.
Mostrando a sua veia empresarial, fundou a Agrogés em 1989, já lá vão 35 anos, uma empresa que inovou no âmbito da consultoria agrícola e que hoje é uma referência para todos nós.
Foi agraciado com diversos prémios, entre os quais de Personalidade do Ano, destacando-se aqui, os do Prémio Nacional de Agricultura e da Vida Rural, sendo autor de inúmeros livros, que me (nos) inspiraram para as minhas próprias reflexões.
Prestigiou e honrou Portugal e muito contribuiu (e contribui) não só para nos ajudar a compreender a evolução da Agricultura portuguesa e europeia, melhorar a capacidade de gestão das explorações e empresas agroalimentares e, em cada contexto político e económico, a refletir sobre o futuro, de médio ou mais longo prazo, com todas as condicionantes políticas que se nos apresentam. Tudo isto, apesar da instabilidade de uma PAC que desde a integração de Portugal no espaço europeu, em 1996, nunca foi suficientemente estável e previsível. Objeto de mudanças ou propostas de revisão a meio dos períodos em vigor, não raras vezes confundindo os seus destinatários ou as opiniões públicas e publicadas. Mas aí estava o nosso Professor, com os seus cenários, comentários, apontando caminhos, traçando um rumo. E, mais importante, desafiando-nos para aquilo que ele verdadeiramente me (nos?) ensinou: a necessidade de ter espírito crítico, o não ter qualquer receio em opinar, refletir, pensar “pela nossa cabeça”.
Moldou e marcou muitas gerações, influenciou o pensamento de muitos de nós, as aulas abertas à criatividade, muito à frente do seu tempo. Simplesmente, porque era diferente, parecia “um de nós”, a sua proximidade, sem dúvida, muito gratificante e estimulante.
Por ele, a Economia Agrária foi ainda mais especial, faltou (ainda falta?) a parte da Sociologia Rural, praticamente esquecida ou subvalorizada e, afinal, tão importante, como muito cedo constatámos com as transformações que a agricultura sofreu nestes quase 40 anos de integração na Europa.
Prestigiou, como poucos, a área da Economia Agrária e os economistas agrários. Abriu caminho para muitas reflexões e artigos sobre mercados, política agrícola, agricultura, florestas e agroalimentar, elevando o nível da discussão.
Muito lhe devo, depois de terminado a licenciatura, a entrada no SIMA, do Ministério da Agricultura, os contactos frequentes com o ISA, as aulas de comercialização e mercados agrícolas, não mais perdemos o contacto, colaborações com a IACA, a vontade e o desejo que o Professor validasse os meus textos e a pontinha de orgulho sempre que havia um feedback positivo do que vou escrevendo por aí.
Partilhou sempre uma cultura de grande respeito, humildade e simplicidade, que os seus alunos procuraram retribuir, com muito carinho, apreço e respeito.
Naturalmente, criou uma ampla rede de contactos, relações “win-win”, o que é normal para quem tem este “networking” tão impressionante, de que todos beneficiamos. Ao longo de todos estes anos, alguns referiram “lacunas” ou menor atenção no pensamento do Professor, preocupações mais de estrutura e menos sociais, a ausência de reflexões sobre a pequena agricultura ou a agricultura familiar. Sinceramente, não conheço essas abordagens mais especificas, mas os seus trabalhos têm sido sobretudo evoluções e análises prospetivas. Talvez exista algum artigo sobre o tema e o mesmo não tenha tido suficiente visibilidade.
Nos meus pensamentos, quantas vezes não ambicionei, enquanto aluno e mais tarde, profissional destas lides, o desejo de querer ser como ele, nas suas qualidades humanas e intelectuais, na forma de olhar o mundo. Pensar e perspetivar o Setor. Não consegui e sei que não estará ao meu alcance. Porque ao alcance de muito poucos. Mas continuarei a tê-lo como o meu Mentor. A minha inspiração.
Alguém me perguntou como definiria Francisco Avillez, para além de tudo o que foi dito na Homenagem, que decorreu com a simplicidade de que ele gosta, sem grandes discursos, fotografias sobre o percurso…poucas palavras. As suficientes e necessárias, ditas no tempo certo, e um Livro de testemunhos que certamente o deliciaram e que guardará com muito carinho.
Na procura de uma definição, lembrei-me das incursões como lobista (o que eu faço, com muito prazer, há muitos anos, não me levem a mal), ligadas, por exemplo, ao setor do açúcar, o bioetanol, ou os fertilizantes, um “fato que não lhe servia” e no qual se sentia, em minha opinião, relativamente desconfortável. Depois, revi o seu percurso, com os seus grandes amigos e personalidades a quem tanto devemos e também referência para os Agrónomos, Fernando Gomes da Silva, e o saudoso Armando Sevinate Pinto, dois ex-Ministros da Agricultura.
A cada novo Governo, do PS ou PSD, todos estávamos a aguardar o nome de Francisco Avillez para Secretário de Estado ou Ministro da Agricultura. Quantos de nós, não pensaram que seria uma excelente escolha, ninguém conhecia melhor o setor agrícola e, provavelmente, o País perdeu um ótimo Ministro.
Penso que hoje já teremos essa resposta: não se sentiria bem nessa pele, não ter a liberdade ou margem de manobra para implementar as suas ideias, porque conhecia bem os meandros dos processos de decisão…e acabaria por se (nos) desiludir. O espaço mediático e a pequena política não são, de todo, a sua zona de conforto. Também não foi, certamente, pelas opiniões diversas e discordantes, que nos obrigam a refletir ou fazer escolhas, nem sempre fáceis. Creio que nunca aceitou os convites porque sentiu que não tinha condições para cumprir tão importantes cargos com a excelência que coloca em tudo aquilo que empreende.
Então, uma definição poderia ser “O Homem que não quis ser Ministro da Agricultura”.
Depois, pensando melhor, esta seria uma colagem demasiado injusta e redutora, perante a dimensão do pensador, do analista, do estratega, do “influenciador”.
Na minha modesta opinião, é uma evidência que vamos necessitar de diferentes políticas para diferentes territórios e tipos de agricultores, sendo urgente regressar à multifuncionalidade da Agricultura e remuneração dos bens públicos, numa estratégia mais agroalimentar, de cadeia de abastecimento, menos agrária, mais Alimentação. Mais soberania e segurança alimentar. Tem de ser este o caminho da PAC pós-2027.
Nesta perspetiva, caro Professor e estimado amigo, quando se celebra um importante Aniversário para a Agrogés, como será pensar a Agricultura para os próximos 35 anos?
Isto sim, é o que verdadeiramente o define!
Engº Agrónomo e Secretário-Geral da IACA
Coordenador da Task Force CAP da FEFAC
Representante da FIPA no Comité de Acompanhamento da PAC