À margem da cimeira do G20, reunida no Rio, sob o signo de “uma aliança contra a fome e a pobreza” talvez o objetivo mais digno a justificar uma reunião da elite político-económica mundial, a senhora Von der Leyen parece ter falado demais. Era um domingo, véspera da abertura dos trabalhos da cimeira, e a senhora presidente terá conversado com Lula comunicando-lhe a sua concordância a um novo pacote de livres exportações do Mercosul para a UE. Concretamente, o que se trata é de abrir as portas da Europa a mais cem mil toneladas de carne bovina, vinte e cinco mil toneladas de carne suína e cento e oitenta mil toneladas de carne de aves. Isto sem falar em outros produtos como o açúcar e o arroz. Tenhamos presente que, só o Brasil, já é hoje o segundo maior fornecedor mundial de produtos agrícolas à Europa.
Não obstante toda a simpatia que os irmãos brasileiros merecem da nossa parte, a senhora Von der Leyen, parece ter cometido um erro, portanto errou. Em primeiro lugar, não é garantido que uma tomada de posição destas dependa, apenas, da decisão da Comissão e, mais ainda, de uma nova Comissão Europeia em modo affaires courantes, pois as cartas de aprovação pelo Parlamento Europeu ainda não existem.
Em segundo lugar, não terá tido presente que o Mercosul já é um grande competidor dos produtores de carne europeus, em condições de manifesta desigualdade concorrencial. A este propósito, o Le Figaro de hoje, dia 18, cita um tal senhor Stefan Ambec (investigador do INRAE, o mais conceituado organismo de investigação francês em matéria de agricultura e ambiente), que a propósito do risco de uma baixa de preços pagos aos produtores europeus afirma «os custos de produção diferem e o problema é que as normas sanitárias e ambientais não são as mesmas.»
Também não terá valorado devidamente a senhora Presidente, que o Brasil é a origem de grande parte da soja que é incorporada nos alimentos compostos (vulgo rações) que são consumidos pela produção pecuária europeia e mundial. Essa circunstância, aliás, não pode ser desligada do grande problema global que é a deflorestação da Amazónia cuja inversão dos graves danos ambientais ainda não existe.
Para além disso, a senhora presidente terá referido que aquelas quantidades eram um «pequeno volume» daquilo que a Europa produz. Não será bem assim e não parece ter atendido quão importante e sensível é o setor da produção de carne na Europa. As estatísticas e os relatórios oficiais europeus demonstram, nos últimos anos, uma sustentada quebra de consumo interno (nas “carnes vermelhas” mas não na carne das aves) acompanhada por uma paralela redução de produção. Tal evolução tem permitido uma manutenção do preço dos produtos e a sustentabilidade económica de um dos mais sensíveis sectores produtivos europeus, com enorme impacto no povoamento e desenvolvimento de zonas rurais e, até, desfavorecidas, ao qual se dirige uma grande parte dos apoios financeiros da PAC, qual decisivo apoio à viabilidade dessa atividade. E pensando no futuro da PAC não é expectável que, globalmente, os fundos públicos europeus a disponibilizar aos seus agricultores possam vir a aumentar…
Então, senhora presidente, eis porque terão sido precipitadas as suas palavras e eis porque, no próprio dia, o presidente Macron, em passagem por Buenos Aires a caminho do Rio, logo se apressou a comentar que a França não se revê numa decisão dessas. Triste espetáculo, não inédito, de uma Europa cujos líderes não falam a uma só voz.
Resta perguntar, então, o que houve, de concreto, pela parte sul-americana para poder justificar tal abertura da senhora presidente? Uma redução das barreiras à exportação do vinho e do azeite europeus? Uma boa expectativa para a exportação de automóveis fabricados na Europa? Se for isto, alguém já fez as contas desse balanço numa perspetiva económica, social e ambiental?
Ora aí estão, uma vez mais, os agricultores franceses de regresso às estradas. Como eu os compreendo. Admiração seria se eles lá não voltassem…
Eng.º Agrónomo
Relatório estratégico sobre o futuro e problemas do presente