A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou formalmente o ano de 2014 como o “Ano Internacional da Agricultura Familiar” (AIAF), com o objetivo de sensibilizar os governos e a sociedade sobre a importância e a contribuição da agricultura familiar na segurança alimentar e na produção de alimentos.
O objetivo do AIAF era colocar a agricultura familiar no centro das políticas agrícolas, ambientais e sociais das agendas nacionais, identificando fragilidades e oportunidades, visando uma mudança e um desenvolvimento mais equitativo e equilibrado. Foi reconhecido, por importantes atores, que a agricultura familiar tem um importante papel socioeconómico, ambiental e cultural.
O lançamento oficial do Ano Internacional da Agricultura Familiar 2014 realizou-se a 22 de novembro de 2013, na sede da ONU, em Nova Iorque. Mas passado uma década desde esta data muito dos objetivos e medidas propostas mantêm-se no baú da indiferença e a agricultura familiar desapareceu da agenda mediática e continua a definhar.
As orientações dos diversos Governos e os acordos mundiais insistem em fazer tábua rasa das orientações então consensualizadas em defesa da Agricultura Familiar e a beneficiar o agro-negócio mundial. Citando a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), “atualmente o mundo produz comida suficiente para alimentar adequadamente todos os seus habitantes, no entanto, 870 milhões de pessoas ainda sofrem de fome crónica. Entre as crianças, estima-se que 171 milhões de crianças menores de cinco anos sofram de desnutrição crónica (baixa estatura para a idade), quase 104 milhões tenham baixo peso para a idade e 55 milhões sofram de desnutrição aguda (baixo peso para a estatura)”.
Urge apoiar políticas e compromissos que promovam a segurança alimentar e nutricional adequada e soluções para reduzir a fome e a desnutrição, uma vez que a maioria dos pobres do mundo vive em áreas rurais.
Portugal foi um País que assumiu compromissos, assinou tratados em diversos fóruns económicos, designadamente da CPLP e da ONU, e tem o dever de os concretizar.
Em Portugal, e passados dez anos do AIAF, a vida dos agricultores não melhorou e muitas explorações estão em vias de desaparecer. Os custos dos fatores de produção, gasóleo, energia, fertilizantes subiram significativamente e o mercado interno não absorve os produtos agrícolas a preços compensatórios devido às importações desnecessárias e ao baixo poder de compra dos portugueses.
A Banca limita o crédito executando taxas de juros obscenas atrofiando financeiramente e impedindo o investimento nas pequenas explorações agrícolas.
O Mercado continua cruel como sempre, as grandes superfícies comerciais impõem a sua ditadura, como confirma o recente caso de 14 produtores que, a partir do próximo ano, deixarão de poder fornecer leite a um grande retalhista nacional porque este rompeu unilateralmente um acordo existente.
O Estatuto da Agricultura Familiar, aprovado através do Decreto-Lei n.º 64/2018 de 7 de agosto, regulamentado pela Portaria n.º 73/2019, de 7 de março – é lei morta! sem consequências práticas na vida dos agricultores que não têm os prometidos benefícios fiscais tão necessários – por exemplo, um agricultor para vender no mercado um ramo de salsa ou um quilo de cebola tem de passar fatura!
Na agricultura não se verifica o necessário rejuvenescimento e a mulher agricultora, muitas vezes, é excluída do sistema da segurança social por incapacidade financeira de fazer as contribuições, apesar de trabalhar de sol a sol.
Passados dez anos, é preciso recolocar a pequena e média agricultura nas agendas mediáticas e política canalizando apoios públicos e medidas concretas para esta importante atividade para garantir a segurança e a soberania alimentares e o desenvolvimento sustentável do território rural.
É preciso defender o consumidor apoiando a produção, os agricultores e as suas organizações.
Aníbal Cabral
Presidente da Associação Distrital dos Agricultores de Castelo Branco e membro do Conselho Nacional da CNA