Faz hoje exatamente um ano, em 12 de março de 2020, fisicamente e numa altura em que tanto discutíamos os Equipamentos de Proteção Individual (EPI), os Planos de Contingência e as eventuais dificuldades do aprovisionamento – com uma greve dos estivadores – e assistíamos a uma corrida aos supermercados (ainda não consigo perceber o problema do papel higiénico…), que reuniu pela primeira vez o Grupo de Acompanhamento e Avaliação das Condições de Abastecimento de Bens nos Setores Agroalimentar e do Retalho, em Virtude das Dinâmicas de Mercado determinadas pela COVID-19, da responsabilidade dos Ministérios da Economia e Transição Digital e do Ministério da Agricultura. Esta iniciativa foi da maior importância para tranquilizar os consumidores e a opinião pública, para compreender melhor os problemas de toda a cadeia de abastecimento, não só entre todos os setores, mas também perante os governantes e decisores políticos.
Ao mesmo tempo, cada um de nós e a Administração Pública, até 15 de junho – e depois de 12 reuniões, com relatórios de situação – fizemos a ponte com as nossas organizações em Bruxelas e com a Comissão Europeia, para que existisse um verdadeiro corredor verde e para que tudo funcionasse dentro da normalidade possível. Naturalmente, nem tudo foi resolvido nesse Grupo, mas o mesmo foi essencial para a resiliência que o Setor viria a demonstrar ao longo do terrível ano de 2020.
E aqui deixamos os agradecimentos ao Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, João Torres, e ao então Secretário de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Nuno Russo, e aos respetivos Ministros, Pedro Siza Vieira e Maria do Céu Antunes, pela compreensão e empenho que demonstraram relativamente às preocupações levantadas pela IACA e Fileira Pecuária.
Talvez fosse relevante a recuperação da lógica do Grupo nesta nova fase em que estamos a entrar, quiçá mais exigente, para preparamos a recuperação da economia e do País, numa visão mais global e holística da interação e impactos setoriais, desde os biocombustíveis à alimentação, porque estamos todos ligados.
Reportando-nos ainda a 2020, dias depois desta reunião, a 17 de março, seria declarado o estado de calamidade em Ovar, com a cerca sanitária, e a 19 de março teria início o primeiro Estado de Emergência. Um ano depois, muitas vezes com as vidas em suspenso, tentamos regressar à normalidade possível que depende, claramente, do ritmo da vacinação e do plano de desconfinamento ontem apresentado.
Ao longo deste ano, pese embora os elogios e a resiliência, o Setor agrícola e agroalimentar tem sido alvo de ataques ao seu modelo de desenvolvimento: o olival, o eucalipto, o abacate, a pecuária (por causa das emissões de GEE) os pesticidas e os químicos, o bem-estar animal…, como se não nos preocupássemos com a sociedade e com os seus desafios, como que bárbaros e ignorantes da saúde e bem-estar dos animais que produzimos e alimentamos, ou da necessidade da sustentabilidade da nossa atividade e do Planeta
Desde a polémica transferência do bem-estar animal para a tutela do Ministério do Ambiente e Transição Energética por causa da suposta (má) atuação do Ministério da Agricultura a propósito do assunto, até à gestão da água e dos solos e passando pelo programa “Linha da Frente” recentemente apresentado pela RTP e do qual aqui falámos numa edição anterior destas Notas, de tudo fomos acusados. Injustamente, na minha opinião, porque não é essa a realidade do Setor em Portugal e porque sabemos exatamente o que pretendemos: um Setor Agroalimentar moderno, competitivo, sustentável, viável, inovador, que ocupe o espaço rural e em todo o território, respeitador do ambiente, multifuncional e integrador. Indo ao encontro das necessidades dos consumidores e dos desafios societais, mobilizador de todos os atores, e, se possível e desejável, com um Ministério da Agricultura cúmplice nos seus objetivos.
Esta semana, a Ministra da Agricultura anunciou novos fundos de 470 milhões, no quadro do PRR e do PDR, com uma fatia significativa (140 milhões) para a agricultura biológica e 93 milhões para a inovação e uso eficiente da água. Agricultura e alimentação de precisão, a digitalização, cobertura 5 G.
Nada tenho, pelo contrário, contra a agricultura biológica e, naturalmente, se existirem oportunidades de mercado e os consumidores assim o preferirem, as empresas devem responder à procura, mas preocupa-me a falta de investimento em inovação e experimentação para prepararmos a agricultura mais competitiva para os desafios ambientais, sem perder capacidade e potencial produtivo e, parece-me, os apoios são relativamente escassos para as ambições do Pacto Ecológico Europeu e para a estratégia e metas “Do Prado ao Prato”. Além disto, não sabemos ainda as verbas que serão atribuídas no âmbito dos eco regimes previstos na PAC.
A campanha contra a Agricultura e o Mundo Rural despertou, felizmente, um conjunto vasto de organizações para a constituição de uma Plataforma em defesa dos valores que defendemos e da promoção de uma boa comunicação, com factos, apoiada no conhecimento científico, sem “ruído” e que, esperamos, possa vir a contar com o apoio e uma cumplicidade positiva do Ministério da Agricultura.
Na Assembleia da República, a Ministra Maria do Céu Antunes sublinhou que o setor não parou, que nada faltou na mesa dos portugueses e que aumentámos as exportações de produtos agrícolas em mais de 5% face a 2019. No total do complexo agroalimentar, aumentámos as exportações em 2,5%, o que muito se deveu aos animais vivos e carne de suíno.
Infelizmente, no pós-pandemia, terminados os apoios sociais e económicos, os lay off e moratórias, vamos, certamente, ouvir falar de agricultura, de pecuária e de alimentação, tal como da importância do território e do mundo rural. A Sociedade será forçada a olhar para algo que tomou como garantido: a sua alimentação.
Quer na comunicação, quer nos apoios para reforçar a nossa autossuficiência e capacidade exportadora, este olhar é uma oportunidade que não podemos desperdiçar.
Sim, temos de fazer mais e melhor enquanto organizações. Porque o futuro também depende de nós, esta pode ser a última oportunidade.
Devemos agarrá-la com toda a nossa energia!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral
O artigo foi publicado originalmente em IACA.