Quase não chove desde Janeiro, não há pasto para os animais e a alimentação está esgotada no mercado. Os agricultores estão a vender os bovinos e alguns temem que falte carne no próximo ano.
Ainda a Primavera não ia a meio e já havia agricultores alentejanos a admitir vender o seu gado bovino por não terem alimentação para lhe dar. A seca, que matou os terrenos de pasto e secou as fontes de água, e a inflação, que fez disparar os preços de quase tudo ligado ao mundo rural, são as razões do que alguns classificam como “uma tragédia”. Com o Verão à porta, a situação continua a agravar-se, até porque, mesmo para os que tenham alguma folga financeira, “não há alimentação disponível no mercado”.
A venda de bovinos que deviam estar para criação não pára de crescer, como o PÚBLICO comprovou num leilão de gado em Portalegre. Alguns agricultores admitem mesmo a hipótese de, no próximo ano, haver “muito menos” carne nacional nas prateleiras dos supermercados e nos frigoríficos dos talhos e temem que os produtores com mais dificuldades comecem a abandonar os animais.
Queixam-se ainda da falta de apoio do Governo, que “só agora abriu as candidaturas para os apoios” e de “uma má negociação da Política Agrícola Comum (PAC)” por parte da ministra da pasta, Maria do Céu Antunes, “que ainda vai penalizar mais os agricultores”.
“Muitos não vão sobreviver”
Na herdade da Cabeça Gorda, na freguesia de Veiros, no concelho de Estremoz, António Martelo, 54 anos, olha com visível tristeza para uma parte do terreno de pasto que se espalha por alguns dos cerca de 500 hectares da sua propriedade. “Por esta altura, o pasto devia estar pela altura do joelho e está como se vê”, diz. E o que se vê é erva “morta” e seca, sem um ponto de verde que sirva para os bovinos mastigarem.
“Não tenho memória de uma seca tão terrível. Em Dezembro do ano passado, as fortes chuvadas causaram estragos em várias culturas e inundaram os pastos. Daí para cá quase não choveu. Passaram seis meses, vamos entrar no Verão e não vai haver água seguramente durante mais quatro meses. Muitos [agricultores] não vão sobreviver. Não lhes resta nada mais do que vender o gado, porque não têm comida para lhe dar. Até já me falaram que alguns estão a vender as propriedades”, afirma este engenheiro agrónomo.
O agricultor, que faz produção biológica e tem actualmente cerca de 150 cabeças de gado bovino, conhece bem a “situação terrível” que os agricultores do Norte alentejano estão a viver. Não só gere a sua propriedade como tem uma empresa de consultoria rural que presta serviços a 47 explorações, que vão “desde a Amareleja a Idanha-a-Nova”.
“Quem não tem um pé-de-meia — e são muitos — está a passar por dificuldades terríveis. Uma vaca come cinco quilos de feno e dois quilos de farinha por dia. Num número redondo, alimentar um animal custa dois euros por dia. E o problema é que, mesmo quem tem algum dinheiro, não encontra alimentação à venda no mercado. Está tudo esgotado”, garante.
António Martelo diz ter conhecimento de alguns agricultores que estão a vender os animais mais velhos, “mas não estão a adquirir animais de substituição”. “Sem estes animais, no futuro vai faltar carne no mercado e Portugal só produz cerca de 50% da carne de bovino que consome. E o pior vai ser quando os produtores começarem a abandonar os animais. E isso, se não se tomarem medidas, vai começar a acontecer”, acrescenta.
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