Na aldeia ucraniana de Mezhyvichka, região de Jitomir, perto da Bielorrússia, Anatoly Pavlovich já sabe o que vai fazer na segunda-feira: começar a plantar batatas, mesmo que os russos encurtem os 50 quilómetros da linha da frente.
“A guerra é guerra, mas continuamos a precisar de jantar”, justifica à agência Lusa Anatoly, 55 anos, dono de uma grande produção agroindustrial, com 150 hectares de plantação de batatas e duas dezenas de empregados.
A Ucrânia já foi o celeiro da URSS e é ainda um dos maiores produtores mundiais de trigo, milho e óleo alimentar. A invasão russa de 24 de fevereiro aconteceu no momento em que os ucranianos se preparavam para fazer as plantações e há vários analistas que avisam para o risco de aumento da fome nos países mais pobres e uma escalada dos preços.
Grande parte dos 20 trabalhadores da empresa de Anatoly foram mobilizados ou estão nas unidades de defesa territorial, organizadas para resistir à invasão e controlar as deslocações internas.
Mas, nesta fase do plantio e da sementeira, no início da Primavera, “não é preciso tanta gente”, diz Anatoly. Quando for o tempo de fazer a colheita já “vão estar cá todos”, vaticina, confiante, enquanto mostra, com orgulho a maquinaria industrial que possui: máquinas “de fabrico polaco, não russo” para selecionar as batatas para os diferentes destinos.
As mais miúdas seguem para duas das grandes marcas de batata frita da Ucrânia, as Club of chips and Lux, as de média dimensão seguem para o setor da restauração e as maiores são vendidas no retalho.
“Na próxima segunda-feira vamos começar a plantar batatas. Só não fizemos agora, esta semana, porque estava muito frio. Não foi por causa da guerra”, insiste Anatoly, que é também chefe da unidade de defesa territorial da aldeia de Mezhyvichka.
A poucos quilómetros, noutra aldeia, Mala Racha, Ludmila, 53 anos, agradece o esforço dos produtores para que os supermercados como o seu continuem com bens no meio de uma economia de guerra.
“Agora, está tudo normal. Nos primeiros dias da guerra, as pessoas ficaram preocupado e esgotaram as prateleiras, não tínhamos nada”, recorda.
O que mudou com a invasão russa? “Dantes tínhamos intermediários que distribuíam os produtos. Agora, temos de ser nós a ir às plataformas de venda e vou eu e o meu marido”.
Quanto à inflação, Ludmila admite à agência Lusa que as “coisas estão mais caras, mas as pessoas só estão a levar produtos de primeira necessidade e coisas essenciais” por isso os seus clientes “conseguem continuar a sua vida normal sem grandes alterações”.
Num supermercado de aldeia, é normal existir fiado e o de Ludmila não é exceção. “Há pessoas com mais dificuldades, mas todos nos ajudamos. Ninguém vai passar fome por causa dos preços”, diz à Lusa, ao lado de uma série de membros da defesa civil armados que, em fila ordeira, aguardavam para pagar.
A uns 30 quilómetros de Mala Racha, em Zankia, Petro conduz o pequeno trator para cuidar do seu hectare de terreno. Já plantou parte das batatas e vai lavrar mais um terreno onde quer colocar milho.
“Eu sei que há guerra, mas temos de trabalhar na mesma” e “este é o tempo de plantar batatas, haja guerra ou não”, explica o antigo militar, 58 anos, e funcionário reformado de uma leitaria industrial perto de Zankia.
“Estive 18 anos com militares. Primeiro no Exército Vermelho (URSS) e depois no da Ucrânia”, explica, esclarecendo que ainda tem armas em casa se for preciso responder aos russos. “Daqui não saio, esta é a minha terra, é a terra dos meus pais e onde eu quero ficar”.
Os russos “é que trouxeram esta guerra para cá, eu já estive na Rússia, nos militares, mas não quero voltar para lá. Por isso eles que não venham para cá”, diz o homem, sorridente, com as mãos sujas de mexer na terra negra, característica da Ucrânia.
Hoje, dá parte da sua pequena produção à proteção civil para ajudar quem está a defender o território. Mas, se os russos “vierem, se tiver de pegar numa arma, estou pronto. Se for preciso queimo o que plantei”.
Na grande propriedade de Anatoly, o sentimento é semelhante: a sua produção não ficará nas mãos russas. “Eles que vão para as suas terras em vez de virem para cá produzir nas terras dos outros”.