À chegada à Quinta da Póvoa, que ocupa um vale na base da Serra do Socorro e a encosta que sobe até à ermida – localizada numa área protegida –, ouve-se a rádio a tocar bem alto num pomar tradicional de pereiras. Indiferentes ao barulho, cerca de 70 galinhas correm livres, a alimentar-se da (pouca) vegetação herbácea. O gestor desta propriedade e da contígua Quinta do Vale Corvo, Miguel Vasconcelos Guisado, mostra com orgulho o resultado da ação natural das galinhas. “Aqui não há nenhuma intervenção de herbicida. Só passamos, às vezes, um destroçador nas zonas de infestantes de maiores dimensões, que é um equipamento que não mobiliza a terra, só corta a erva à superfície, e as galinhas depois comem tudo”, explica.
Isto tem permitido também aumentar a fertilidade e humidade do solo, que estava a perder matéria orgânica devido ao excesso de mobilização realizado antes de 1994. Desde então, com a formação promovida pelos incentivos à implementação de medidas agroambientais, a família veio a comprovar no terreno que, “não destruindo as raízes pastadeiras, mantínhamos a pequena vegetação, evitando que o terreno rachasse e perdesse humidade. Também incentivávamos a atividade biológica, macrobiana e das minhocas, o que permitia maior arejamento do solo. Em três ou quatro anos conseguimos subir o teor de matéria orgânica em 0,7 por cento, o que é muito”, garante Miguel Vasconcelos Guisado. A própria necessidade de fertilização química é, desta forma reduzida. Além disso, a redução do número de intervenções necessárias diminui os custos operacionais ao mínimo. A música alta que se ouve na rádio afasta das galinhas as espécies predadoras, como águias, bufos-reais e raposas, que abundam na propriedade – mas a biodiversidade é encorajada. O gestor permitiu a instalação de 30 colmeias no eucaliptal que sobe pela Serra do Socorro e, na plantação de eucalipto mais recente, do lado oposto da propriedade, deixa o vizinho Francisco Runa manter a sua manada de cerca de 20 vacas, que fazem o controlo natural de vegetação. Os eucaliptos centenários não são cortados, para fixar aves de rapina, que afastam os estorninhos que comem a uva. Nos pomares e vinhas, só a zona junto à cepa é que é completamente limpa e, no meio, permanece o coberto vegetal que preserva a biodiversidade, bem como a humidade e matéria orgânica. As árvores com buracos de pica-pau não são eliminadas, para que estes insetívoros tenham onde nidificar. Nas áreas de vinha e de pomar, as pedras retiradas do terreno são mantidas em monte, para darem abrigo a coelhos, sardões, cobras, ouriços-cacheiros e insetos, ou seja, fauna útil.
Ao longo da exploração, foram deixadas várias cortinas de espécies autóctones que servem como corta-vento, galerias ripícolas e faixas tampão, e são “importantíssimas como refúgio para auxiliares biológicos, desde pássaros a insetos, para além da beleza que criam”, afirma Miguel Vasconcelos Guisado. A presença de plátanos centenários, por exemplo, tem ainda uma valência acrescida, que vem da sabedoria popular de antigamente: “O plátano apanha o míldio, uma doença da videira, cerca de 15 dias antes da vinha, permitindo antecipar o problema”, explica. Com o mesmo objetivo, tenciona também plantar roseiras na vinha nova, que são um indicador de outra doença, o oídio. “Há aqui um equilíbrio do ecossistema que, ao diminuir a necessidade de intervenção humana, reduz os custos”, explica o proprietário agrícola.
Um negócio de família melhorado
O projeto da Old Nosey, a aguardente certificada de pera, e, mais recentemente, do vinho de pera, é uma montra da filosofia de sustentabilidade da quinta. São produzidos a partir de pera DOP, de pomares com cerca de 150 anos, plantados pelo bisavô e o avô do atual gestor, que não estava a ser valorizada pelo mercado em termos de calibre.
No início houve uma aposta em pomares intensivos de pera, mas os problemas de normalização da fruta e o consequente consumo de água, “fora do sustentável, para manter os calibres”, levaram a família a substituí-los, entre 2015 e 2017, por vinha. “Optamos pela cultura que tiver mais interesse económico. Se as coisas forem feitas de forma sustentável, tudo funciona”, conclui Miguel Vasconcelos Guisado.
Na perspetiva de ocupar os piores terrenos da exploração, deixando os restantes para a parte agrícola, Manuel de Barros e Vasconcelos, avô de Miguel Vasconcelos Guisado, foi um dos pioneiros na plantação de eucalipto na região, no final dos anos 1940. Os eucaliptais estão certificados há cerca de nove anos e, naqueles que estão a gerir, têm usado a mesma lógica daquilo que fazem na agricultura. Na última instalação, optaram por plantar em linha, à semelhança da vinha e dos pomares, em vez de usarem a técnica tradicional de curvas de nível. “Assim qualquer trator agrícola nosso consegue entrar no eucaliptal, em vez de termos de recorrer a máquinas pesadas de rastos, com muito mais custos”, explica o gestor.
Nos últimos cortes obtiveram de 200 metros cúbicos por hectare, uma rentabilidade que Miguel Vasconcelos Guisado considera “muito alta” e que atribui “à gestão realizada e à planta melhorada, maioritariamente clonal, dos viveiros da The Navigator Company, adaptada às condições edafoclimáticas da zona. A parte com planta seminal e clones híbridos compreende uma área marginal de calcário muito elevado, onde as hipóteses de conseguir um povoamento de eucalipto de sucesso eram remotas. “Nós conseguimos, com estas plantas de boa qualidade, certificadas e recomendadas pela Navigator, e sem fazer mobilização nem gradagem, para evitar a perda de matéria orgânica, a lixiviação e a erosão dos solos inclinados”, congratula-se o gestor da Quinta da Póvoa.
O artigo foi publicado originalmente em Produtores Florestais.