Li um dia a história de um serviço de meteorologia americano que, por avaria de equipamento, decidiu basear as previsões na observação do comportamento dos índios. Se os índios guardavam lenha, então previam chuva. Depois de um acerto inicial, as previsões começaram a falhar. Foram ao terreno investigar e descobriram que os índios guardavam lenha quando havia previsão de chuva no serviço de meteorologia…
Lembrei-me desta “pescadinha de rabo na boca” quando ouvi Hans Jörg Deubel, da Nestlé, dizer, no congresso nacional do milho, que estavam a aumentar a aposta na “proteína vegetal” por ter menor pegada carbónica do que a proteína animal. Esta declaração coincide com a moda recente de diabolizar a produção animal, culpar as vacas pelo efeito de estufa e lançar no mercado imitações da carne e do leite. Por causa disso, na Europa, a Nestlé e outras multinacionais que cresceram e enriqueceram a transformar e vender produtos lácteos tem vindo a abandonar a recolha do leite a alguns produtores e a reconverter algumas fábricas para produzir as bebidas vegetais.
Pedi a palavra para colocar algumas questões mas não tive oportunidade de falar, o que me dá agora motivo para tornar públicas algumas questões:
– Onde estava a preocupação da Nestlé com a pegada de carbono e a sustentabilidade ambiental quando fechou as fábricas que produziam os seus iogurtes em Portugal, próximo dos consumidores, passando a importá-los de Espanha ou de outros países?
– Os estudos que mediram essa pegada de carbono tiveram em conta que os ruminantes, em particular as vacas, são capazes de digerir e aproveitar um enorme conjunto de subprodutos da alimentação humana, como polpa de citrino, polpa de beterraba, bagaço de soja, bagaço de colza e digerir a celulose da erva que é a única produção possível em muitos terrenos sem outro aproveitamento além da pastagem?
– Já repararam no aumento brutal do custo dos adubos? A guerra na Ucrânia veio agravar mais essa evolução. A produção vegetal, sem produção animal associada, precisa de muito mais adubo, porque os excrementos dos animais são um excelente fertilizante orgânico. Por causa disso, em todo o mundo aumentou a procura e o valor do estrume.
Sou totalmente a favor da investigação no sentido de agricultura mais sustentável na produção vegetal ou animal. Estou aberto a novos alimentos. Foi assim que a humanidade chegou a toda a variedade da alimentação atual, investigando e experimentando, de forma mais científica ou “amadora”. Os povos que provaram o leite e carne ganharam vantagem sobre os outros. Alguns indivíduos que provaram cogumelos venenosos não tiveram oportunidade de aprender, mas deram o exemplo.
O que me preocupa é reparar que depois do investimento de milhões de dólares em novos produtos, por exemplo a “carne de laboratório” ou as imitações de base vegetal, apareçam sucessivas notícias a diabolizar as alternativas que pretendem substituir, como a carne ou o leite.
O mundo mudou e já não caminha na mesma velocidade para a globalização como antes da pandemia e da guerra. A proximidade, a soberania e a segurança alimentar passaram a ter outro valor. A energia e o adubo têm outro custo. A produção vegetal sem animais tem outro custo. Convinha avaliar e repensar tudo isto antes de “abandonarem” a produção animal que sempre fez parte de um ciclo completo e equilibrado entre o homem, a terra e os animais.
#carlosnevesagricultor
(A imagem, que mostra como evoluíram os assuntos que interessam à população, é de Pedro Santos / Consulai, que interviu noutro painel do mesmo colóquio)
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.