A escassez de água vai agravar-se no futuro e a dessalinização tem sido uma das formas de responder a esta carência. É prática corrente em vários países, incluindo Espanha, mas em Portugal ainda só existe uma central dessalinizadora. É uma solução cara e que ainda polui muito, mas pode ser viável – desde que se garanta que o ambiente não sofre.
Transformar água salgada em água potável parece milagre – ainda mais em alturas de escassez. Mas a dessalinização é realidade e não é de agora: há décadas que são construídas e usadas centrais dessalinizadoras por todo o mundo, só que é um benefício que tem os seus custos, tanto energéticos como ambientais. Esta é uma das razões para que, em Portugal, só exista uma central dessalinizadora, quando a vizinha Espanha tem mais de 700 unidades. A escassez de água agravada pelas alterações climáticas deve pôr o país a pensar nesta alternativa e o desafio é tornar a dessalinização sustentável. “Este é o momento certo para avançarmos com a dessalinização”, garante a professora da Universidade do Algarve (Ualg) Manuela Moreira da Silva.
Sabemos que a dessalinização não é uma técnica recente nem inédita. Existem mais de 15 mil centrais deste género por todo o mundo, que geram 86 milhões de metros cúbicos de água por dia (o equivalente a 34 mil piscinas olímpicas, que levam 2,5 milhões de litros de água cada). Por cá, só existe a central dessalinizadora na ilha de Porto Santo, na Madeira (ver reportagem), e algumas pequenas unidades em hotéis no Algarve. É também no Algarve que está prevista uma central de dessalinização, financiada em 45 milhões pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e que está agora em fase de projecto. Para já, não há mais centrais de dessalinização previstas pelo Governo.
E porque é que Portugal quase não apostou nesta solução? A resposta pode resumir-se em três palavras: preço, emissões e salmoura.
A água dessalinizada é quase dez vezes mais cara (ainda que os seus custos tenham vindo a baixar) do que a água obtida de forma “tradicional”, em grande parte devido à energia necessária no processo. Na central de Porto Santo, por exemplo, cada metro cúbico de água custa 79 cêntimos – dos quais 50 cêntimos resultam dos gastos energéticos. Como se tem de “forçar” a água a passar por umas membranas finíssimas para que o sal fique para trás, é preciso muita pressão – pressão essa que requer muita energia. É assim que funciona a dessalinização por osmose inversa, utilizada em Espanha e em Portugal.
É por isso que é tão importante usar energias renováveis. Segundo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), “só 1% de toda a água dessalinizada usa energias renováveis”. E, se assim continuar, estas centrais podem representar um perigo para o futuro: “O crescimento estimado da dessalinização, se não estiver associado a energia renovável, deverá causar um aumento de 180% nas emissões de carbono até 2040”, lê-se no relatório do IPCC. “A dessalinização será inadequada se se utilizarem combustíveis fósseis.”
A investigadora espanhola Elena López Gunn é uma das autoras principais do capítulo sobre a água do IPCC e foi a responsável por escrever sobre dessalinização. “A pegada energética das estações de dessalinização é ainda muito, muito grande”, diz ao PÚBLICO. É por isso necessário “garantir que se usa, tanto quanto possível, energia renovável” – e não tem dúvidas de que a dessalinização é uma das opções para garantir água no futuro. O Ministério do Ambiente e Acção Climática avança ao PÚBLICO que está prevista a “instalação de uma central fotovoltaica, cuja capacidade instalada será definida no projecto e que apoiará as necessidades energéticas” da central dessalinizadora do Algarve.
Não foi só o custo de produção que pesou na decisão portuguesa. “Há aqui uma questão importante, que é: a tecnologia é importada. Não produzimos cá dessalinizadoras, não é algo que estivesse imediatamente disponível”, observa o professor do Instituto Superior Técnico (IST) Rodrigo Proença de Oliveira. A importação dessa tecnologia teria peso na balança de pagamentos do país, e foi mais um dos motivos para que a decisão de se investir em dessalinizadoras fosse adiada.