Vivemos tempos de profunda transformação económica, social e tecnológica que impacta significativamente a vida das pessoas e das sociedades. As necessidades de hoje são muito diferentes das do passado e todos os setores de atividade estão a ser afetados. As empresas têm que se ajustar e encontrar soluções e estratégias para responder aos constantes desafios.
Assistimos a uma transformação no estilo de liderança assim como nas preocupações dos líderes. O equilíbrio familiar e profissional, a felicidade no trabalho, a flexibilidade, o bem-estar emocional, a igualdade salarial, a saúde mental, o burnout são temas que estão em voga, cada vez mais discutidos e estudados no mundo organizacional.
A SAÚDE MENTAL DOS AGRICULTORES
Se é verdade que o bem-estar é um assunto recorrente como estão a ser tidos em consideração estes assuntos no setor agrícola? Em Portugal não existem estudos sobre este assunto e a saúde mental apenas começou a ganhar enfase nos últimos anos, principalmente depois da pandemia. Nos últimos tempos multiplicam-se os artigos, livros, podcasts, documentários sobre saúde mental e é importante este tema deixar de ser “tabu”.
O isolamento social, a elevada carga de trabalho, a ausência de rendimento fixo, a incerteza do preço de venda, as constantes alterações climáticas, o aumento do trabalho administrativo e da burocracia, o baixo rendimento, têm contribuído para o desgaste e desmotivação dos agricultores e consequente para o desinteresse na atividade. Acresce a tudo isto o fato do risco de burnout ser mais elevado pois o agricultor vive com o trabalho (por norma a empresa agrícola é perto de casa) e na maioria dos casos os colegas de trabalho são familiares que estão em constante interação fora do contexto de trabalho.
Profissionalizar o setor é criar condições para que como qualquer outro setor se passe a trabalhar 5 dias e 40 horas por semana. Não podemos continuar a trabalhar 7 dias por semana, 365 dias por ano. Para o setor ser atrativo é fundamental ter qualidade de vida, equilíbrio profissional e familiar e rentabilidade económica que permita criar condições dignas.
Estamos numa fase de transição e este é o momento certo para afirmar e profissionalizar o setor agrícola português e para isso é fundamental que se pense numa estratégia a longo prazo e se defina planos de ação concretos. Para promover a mudança de mentalidade e criar um novo mindset considero crucial investir na formação, tecnologia, criação de equipas (partilha de funções).
- Formação
O conhecimento e a formação contínua serão sempre a melhor arma para promover o crescimento e desenvolvimento. É com desalento que analiso os planos de formação direcionadas para os agricultores e verifico que a oferta formativa disponível não acompanha a evolução e inovação. A maioria das ações de formação disponíveis direcionada para os agricultores está associado aos COTS (condução de tratores agrícolas), aplicação de fitofármacos, produção integrada, inseminação artificial. Temos que ser mais ambiciosos e proporcionar novas aprendizagens e reflexões e isso só se consegue recorrendo a programas de formação diferenciados, que abordem temáticas que promovam a mudança de mentalidades. A inteligência artificial é uma realidade. Quantas vezes esta temática foi abordada em palestras e congresso para agricultores? Quantas viagens/visitas de estudo são organizadas para conhecer novas realidades? Além das formações técnicas é importante trabalhar temas de liderança, gestão de equipas, inteligência emocional, relacionamento interpessoal, comunicação, etc.
- Tecnologia
A tecnologia será sempre o grande aliado do setor agrícola. Ser eficiente implica produzir mais com menos recursos. Hoje em dia os tratores disponíveis para venda já têm GPS de fábrica, condução autónoma, sistemas inteligentes de drones de pulverização. Hoje não podemos falar em agricultura sem falar de inteligência artificial e de agricultura de precisão, que em conjunto irão mudar a forma como produzimos, gerimos e preservamos os nossos recursos.
Vivemos numa era digital e temos que tirar partido disso, não nos podemos limitar a produzir de forma sustentável, é também importante dar a conhecer a toda a sociedade a capacidade que os agricultores têm de inovarem e se reinventarem.
- Criar equipas
“Sozinhos vamos mais rápido, juntos vamos mais longe.”
Ninguém cresce sozinho. O caminho para o sucesso não é um processo individual, mas um trabalho conjunto. Ter qualidade de vida no setor agrícola, ter saúde mental, ter equilíbrio implica obrigatoriamente criar equipa para poder partilhar funções. Só podemos recrutar bons profissionais e pagar bons salários se tivermos rentabilidade económica e para isso é preciso estabilidade e previsibilidade.
Precisamos de pessoas capazes, motivadas, dedicadas e com capacidade para acrescentar valor, promover novas metodologias de trabalho, repensar processos, criar e inovar. Acredito que a evolução só acontece se tivermos os melhores profissionais e mais bem preparados e só os conseguimos cativar com propostas de trabalhos aliciantes que coloquem a pessoa e o seu bem-estar em primeiro lugar.
Criar um novo mindset é desafiante e requer um trabalho consistente e contínuo, mas permite aceder a um vasto leque de novas possibilidades, cria novos desafios, novas necessidades, novos objetivos e cria principalmente uma perspetiva de crescimento individual, consciencializando as pessoas que as suas competências e habilidades podem ser aperfeiçoadas e redirecionadas para alcançar o sucesso.
Mais uma vez somos todos chamados a agir, pois profissionalizar o setor é uma missão de todos os que dele fazem parte. Se pretendemos a afirmação do mundo rural é necessário lançar as sementes da mudança para alcançar o progresso.
Vice–Presidente da APROLEP