As videiras adaptaram-se com o homem a resistir às secas e doenças e demonstraram-se capazes de especialização produtiva ao longo de milénios. Numa evolução imparável e que nos faz poder pensar que “as melhores videiras ainda estarão para vir”.
Na agricultura, apesar das rotinas instaladas e dos ciclos, a variabilidade e a inovação são permanentes desde sempre. A dinâmica entre as plantas, o solo, o clima, a água, a poluição, a pressão de produção, …, é uma permanente fonte de surpresas, insegurança, preocupação e necessidade de atenção. O tempo atmosférico nunca foi constante e seguro, nem a produtividade do solo, nem o ciclo de vida das plantas e animais. Perturbações climáticas, efeitos de erosão e esgotamento, ocorrência de pragas e doenças, desvios genéticos, sucederam-se e sucedem-se a par das solicitações do homem para incrementos na produção ou mudanças nas características desejáveis do que é produzido, em inovação contínua.
A viticultura ilustra o que fica dito e com vantagem: está sempre na linha da frente. Pode ser a primeira a ver-se em problemas – mas será a primeira a sair deles; a primeira a explorar novas fronteiras – e a sofrer efeitos negativos; a levar com tudo em cima – mas sobreviverá com sucesso. Portugal e o mundo vitícola estão cheios de exemplos, a história dos séculos recentes em pragas e doenças, morte generalizada e necessidades de arranques, condicionamentos à produção, políticas espartilhadoras e ausência delas, há estatísticas a reflectir bem todas as vicissitudes e modas. O exemplo prodigioso, de sobrevivência, resiliência, recuperação e sucesso, é o vinho de Portugal.
A adaptação, ou melhor, a resposta da viticultura às exigências da opinião pública face aos problemas por si levantados, está a ser feita com a implementação e cumprimento dos programas de sustentabilidade. E é inegável que as vantagens destes programas, para além das imediatas e comerciais, serão extensivas e representarão ganhos de biodiversidade, aumento da resiliência a factores prejudiciais, demonstração de que, nalgumas linhas da frente, a viticultura está, mais uma vez, aí: diminui a erosão e confere qualidade ao solo, promove a resistência à desertificação, permanece no território e gere a água e a paisagem com eficiência, faz surgir actividade e turismo combatendo o despovoamento e agindo como elemento de desenvolvimento rural.
Quando se bebe um copo de vinho não se está só a gastar uns cêntimos ou uns euros e a gerar lucro para uma indústria. Quando se bebe um copo de vinho está a colaborar-se num dos actos que permitem combater a desertificação e o despovoamento, promover a biodiversidade, contribuir para a remuneração de mão de obra imigrante ou nacional, ajudar famílias, pagar a investigação e o desenvolvimento de tecnologias e boas práticas científicas. Quando se bebe um copo de vinho, consome-se um produto para o qual a sustentabilidade foi garantida como essencial e houve uma colaboração múltipla: abelhas, pássaros, insectos, fungos, bolores, leveduras, água, dióxido de carbono, …, tardes de calmaria e sol de chapa, ventos, sombras benfazejas, um inesgotável ecossistema gerido desde há milénios, com sucesso, pelo homem. Não há viticultura sem o homem e, muito menos, vitivinicultura sem o homem. Quando se bebe um copo de vinho, está-se a participar na sustentabilidade.
A sustentabilidade pressupõe equilíbrio e o equilíbrio, sendo um jogo de forças opostas, é a característica dum sistema e de processos que se mantêm dinamicamente, consumindo, para isso, energia, matérias-primas e informação – cada vez mais, informação! Hoje, está na moda a procura desse equilíbrio e, sobretudo, que o reconhecimento da prática desse equilíbrio represente ganhos em notoriedade e negócios. Este reconhecimento do equilíbrio praticado pelas empresas nos processos de produção, transformação e comercialização tem de, por si, ser sustentável, ou cair-se-á numa contradição que levará ao seu fim – e ao das empresas!
A responsabilidade pela sustentabilidade não termina na venda da garrafa, da lata, do bag-in-box ou do copo servido ao balcão. A partir de qualquer um destes momentos a responsabilidade passa a ser partilhada e participada pelos consumidores. Este entendimento irá evoluir sem parar e virão novas fases. De pós-sustentabilidade. De reconhecimento e valorização de todas as externalidades positivas das práticas de sustentabilidade no sistema e nos seus processos. De que a vitivinicultura é capaz.
No interior de Portugal, nalgumas charnecas e incultos em que nada bulia a não ser a aragem nas aveias bravas, hoje, estão lá vinhas. Há manchas de verde, há gente e há uvas. A sustentabilidade significa recuperar territórios, repovoar.
O vinho perdurará na pós-sustentabilidade, de novas uvas, de melhores videiras que estarão para vir. Como sempre.
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021