Trazer de volta os bovinos selvagens
Na última semana, uma manada de 15 Tauros foram libertados para agora poderem habitar livremente e em estado semisselvagem nos cerca de 600 hectares da área rewilding do Ermo das Águias, em Vale de Madeira (Pinhel) no Grande Vale do Côa. Este é um marco importante como parte dos esforços de conservação e restauro ecológico que estão a ser realizados pela equipa da Rewilding Portugal nesta região. Os Boards de Supervisão da Rewilding Europe e da Rewilding Portugal juntaram-se à equipa da Rewilding Portugal no terreno para observar e celebrar este evento emocionante, que aconteceu no último domingo, dia 30 de abril.
No início de Abril, três touros Tauros e 12 vacas, quatro das quais grávidas, chegaram a Portugal após o seu transporte da Holanda pela Stichting Taurus (Fundação Taurus). Os animais foram libertados num cercado fechado para se poderem aclimatar ao novo ambiente, enquanto a equipa monitorizou a sua saúde e comportamento durante algumas semanas antes da libertação.
Relação cultural
No passado, o Grande Vale do Côa já foi casa do ancestral dos Tauros, o Auroque. O auroque é o antepassado selvagem de todos os bovinos domésticos, sendo por isso considerado o animal mais importante da história da humanidade. A libertação dos Tauros no Grande Vale do Côa é uma continuação do projeto europeu Tauros Programme, que arrancou em 2009 e que tem progredido numa colaboração entre a Rewilding Europe e a Taurus Foundation, que começou em 2013. Este programa tem como objetivo devolver à Europa uma espécie bovina autossuficiente e integrada na vida selvagem, geneticamente e funcionalmente semelhante ao auroque, capaz de ocupar o mesmo nicho ecológico. Através de uma cuidadosa reprodução de antigas raças bovinas, assim nasceu o Tauros.
Vestígios deste antigo bovino podem ainda ser encontrados em gravuras rupestres pré-históricas no Vale do Côa, homenageando uma relação cultural de longa data com estes animais. O auroque foi caçado até à extinção em 1627. Antes de ser declarada extinta, esta espécie-chave percorria grande parte da Europa, Ásia e Norte de África. Atualmente, o Tauros está a ser introduzido na paisagem para cumprir o seu importante papel ecológico.
Importante papel ecológico de herbívoros essenciais
Como resultado dos seus hábitos de pastoreio e de utilização das pastagens, a manada recém-libertada contribuirá diretamente para a criação de habitats variados e biodiversos, ao mesmo tempo que eliminará a vegetação densa e reduzirá o risco de incêndios devastadores, permitindo assim que florestas nativas se regenerem.
Desempenham também um papel fundamental na cadeia trófica alimentar. O Vale do Côa já alberga o lobo ibérico e os abutres, que beneficiarão muito com o regresso de um bovino de grande porte. Invertebrados necrófagos, aves e pequenos mamíferos, menos conhecidos, também se desenvolverão em maior abundância com a sua presença.
Tal como em grande parte da Europa, há décadas que Portugal tem vindo a registar um despovoamento das comunidades rurais. As pessoas deixaram de trabalhar a terra e perderam-se enormes quantidades de gado para pastoreio. As paisagens outrora abertas estão agora cobertas por vegetação arbustiva densa ou por vastas extensões de floresta jovem, ambas pobres em biodiversidade e suscetíveis a incêndios. “Os herbívoros de grande porte desempenham um papel essencial no consumo de biomassa e na criação de paisagens mais resilientes para proteção contra os incêndios”, explica Sara Aliácar, Diretora de Conservação da Rewilding Portugal. “Serão também excelentes a espalhar sementes para ajudar a restaurar os habitats que já se perderam com os incêndios, melhorando os espaços para a vida selvagem.” Os Tauros de chifres longos são totalmente autossuficientes, não necessitando de suplementação após a libertação. Como andam à solta, também são capazes de se defender da predação. À medida que os animais recuperam a paisagem, as oportunidades para a população local também aumentam.
Para as pessoas e para a natureza
A introdução dos Tauros na área rewilding do Ermo das Águias foi feita com o apoio da população local. Quando a equipa da Rewilding Portugal comprou a propriedade, fez um extenso trabalho de sensibilização da comunidade e incentivou o envolvimento através de atividades organizadas. Já existe uma boa compreensão local sobre a importância dos animais de pasto, devido às suas próprias experiências com a gestão do gado doméstico.
A redução do risco de incêndios florestais é um benefício claro para a comunidade, mas também aumenta as oportunidades de turismo baseado na natureza. Para além disso, a libertação atraiu a atenção nacional para o Grande Vale do Côa, o que é muito importante para a população local, que se orgulha da sua comunidade rural. A equipa da Rewilding Portugal recebeu formação da Fundação Taurus para que compreendesse o comportamento destes grandes bovinos antes da sua chegada. Embora a zona do Ermo das Águias onde os Tauros andam à solta não esteja atualmente aberta ao público, será acessível e segura para os visitantes no futuro. A equipa planeia criar percursos pedestres com sinalização informativa, que incluirá instruções claras sobre o que fazer ao encontrar os Tauros, nomeadamente como manter uma distância respeitosa.
Restaurar o pastoreio de planícies abertas
Os Tauros não estão sozinhos no seu papel de restauro ecológico, já que se vão juntar a alguns dos 25 cavalos de raça autóctone Sorraia que já foram libertados pela Rewilding Portugal. Uma manada de 13 cavalos circula livremente na região norte do Ermo das Águias, enquanto os Tauros foram libertados a sul. A equipa espera que as duas espécies se encontrem e pastem juntas nesta área rewilding assim como os seus ancestrais selvagens teriam feito.
Os benefícios da introdução de herbívoros semisselvagens nesta região já são visíveis. Paisagens mais selvagens e de pastoreio natural estão agora a mostrar os primeiros sinais de se estarem a tornar um mosaico rico em natureza de habitats biodiversos. “Esta é a primeira libertação em Portugal e planeamos agora introduzir Tauros em mais áreas rewilding do Grande Vale do Côa, à medida que continuamos a melhorar a conectividade do mesmo”, afirma Deli Saavedra, Diretor de Paisagens Rewilding da Rewilding Europe.
Estas libertações ajudarão a concretizar a visão de rewilding para a região, com a equipa da Rewilding Portugal a trabalhar agora para fortalecer um importante corredor ecológico de 120.000 hectares o Douro e a Malcata. Os seus esforços são apoiados por financiamento do Endangered Landscapes Programme.
Fonte: Rewilding Portugal