É preciso assumir que a seca e as ondas de calor vão ser “normais” em grande parte de Portugal – exatamente como são, há muito, no Norte de África
Ao longo de 2022, Portugal esteve vários meses com a maior parte do seu território continental sob seca extrema. Este ano, apesar das grandes chuvadas e até das inundações que marcaram o inverno, o fenómeno regressou e, porventura, ainda com maior força. Os indicadores não deixam dúvidas: desde fevereiro, com a pluviosidade em níveis baixíssimos em comparação com os anos anteriores, não tem parado de crescer a porção de território com falta de água. No entanto, apesar dos avisos da meteorologia de que se aproximam mais meses quentes e secos, o assunto continuou, durante a maior parte do tempo, a ser praticamente ignorado ao mais alto nível político.
Num País “ocupado” com as peripécias da comissão de inquérito à TAP e entretido com o suspense em redor da ameaça-permanente–mas-nunca-concretizada de dissolução do Parlamento, o fenómeno que maiores consequências pode ter para o nosso futuro coletivo foi encarado, ao longo de semanas, com o silêncio do Governo e o desinteresse de toda a oposição. A realidade, por mais que a pretendam desmentir, é esta: somos capazes de, no espaço público, passar dias a discutir a diferença de duas décimas numa previsão económica ‒ do FMI, do Banco Mundial ou da OCDE –, mas persistimos em ignorar os números, exatos, que nos indicam a progressão imparável da seca e do aumento das temperaturas. E a apatia que existe face a essa realidade diz muito sobre nós, eleitores, e sobre o estado real dos políticos que elegemos ou que apoiamos: preferimos sempre a discussão sobre o incerto – como a evolução da economia, em que cada um pode dizer que o futuro lhe dará razão, conforme a previsão que escolher – do que enfrentar aquilo que, comprovadamente, é certo mas que obriga, por isso, a um muito maior poder de decisão e até, com toda a certeza, à tomada de medidas que serão impopulares e penalizadoras em futuras eleições. […]