Como se fosse um ciclo de eterno retorno, o Douro vê-se a braços com períodos de excesso de vinho. Seja por falta de escoamento, seja por excesso de produção – ou por ambas as ocorrências. Este ano de 2024 parece ser um desses. Mesmo que a vindima venha a ser dentro da média, os armazéns estão cheios, as vendas estão a cair e mesmo que haja a diligência dum fidalgo aprendiz, haverá caves que se arriscarão a ficar inundadas.
Seria expectável que houvesse uma prática continuada de medidas que obviasse as crises anunciadas. Mas não. Apesar da permanente dialética interprofissional entre a Produção e o Comércio, tudo avança em ciclos cujo metrónomo são as vindimas anuais e com uma muito pequena continuidade na que deveria ser uma estratégia permanente da nossa mais antiga região demarcada e regulamentada. É espantoso que se repitam hesitações na tomada de medidas, perante circunstâncias que se repetem, que todos sabem como evoluem em média, e de que há a experiência na sua ultrapassagem em épocas anteriores.
Poder-se-á argumentar que em épocas anteriores a legislação era outra, havia mais capacidade de intervenções decisivas e mais autoritarismo… talvez. Mas o que é facto é que hoje há mais conhecimento, mais informação, maior capacidade de trabalhar essa informação e em muito menos tempo. Hoje há quase infinitas possibilidades de elaborar cenários e antecipar situações e jogos de circunstâncias. Consegue fazer-se uma previsão estatisticamente muito mais sustentada e credível do que dantes. E há liberdade de discussão e confronto de opiniões, o que não é de somenos.
A diminuição nas vendas de Porto e, mais recentemente, de Douro, deveria merecer uma resposta enérgica – e que peca por atraso! O país deveria ter uma permanente e intensiva campanha de marketing internacional e nacional para o Porto e para o Douro. São bandeiras de Portugal. A RDD, Região Demarcada do Douro, deveria ter uma permanente e intensiva campanha de marketing internacional e nacional para o Porto e para o Douro. Uma campanha voltada para o público em geral, para os consumidores, em circuitos abertos. Uma campanha que promova o consumo e as vendas, já que neste aumento de vendas dos vinhos deve residir o foco de toda a acção para a rentabilidade e sustentabilidade da Região.
Mexendo-se, também, noutros cordelinhos, que concorram para o mesmo fim, o da diminuição de stocks e promoção da escassez do produto para se garantir o seu valor: proibição absoluta da entrada de vinhos de fora da Região na RDD, sob que pretexto for, pondo cobro aos milhões de litros que têm estado a ser embalados dentro da RDD, sendo oriundos de fora; instituição da “poda em verde” como prática amiga da qualidade e da selecção de quantidades, nos casos em seja aconselhável; destilação de vinhos armazenados.
Há quem advogue o arranque de vinhas como medida estrutural para diminuir o excesso de produção, mas temos as maiores reservas quanto a esta medida: as vinhas são o bem mais precioso do Douro, património biológico e essencial à paisagem, mesmo as abandonadas ou em processo de abandono. E seria um contrassenso: se estão abandonadas ou em processo de abandono, que contribuição dão para o excesso de vinho? Nenhuma. Além do mais, temos gasto milhões e milhões na sua reestruturação, faz sentido promover o seu arranque? Dar-se-ia uma imagem muito contraditória à opinião pública que queremos convencer a consumir os nossos vinhos…
Urge recolocar com audácia o nome do Vinho do Porto e dos vinhos do Douro nas notícias, nas páginas e nas imagens em Portugal e em todo o mundo. Junto dos públicos que os não conhecem. Só assim serão bebidos mais copos com Vinhos do Porto e com vinhos do Douro. Portugal foi sempre bom a ousar-se no desconhecido.
E às vezes o desconhecido está à nossa porta.
Manuel Cardoso
Consultor e escritor
Artigo publicado originalmente em Eggas.