Há 150 anos atrás, quando Júlio Dinis escreveu nas “Pupilas do Senhor Reitor” que a “A desfolhada fez-se na eira espaçosa de José das Dornas”… foi avisando que “Quando um dia a máquina agrícola fizer ouvir nas aldeias portuguesas o silvo estridente do vapor; quando a força prodigiosa de suas alavancas, o movimento de suas rodas gigantes e complicadas articulações dispensar o concurso de tantos braços, nestes trabalhos rurais (…); lembrar-se-ão com
saudades das desfolhadas os felizes que as puderam ainda gozar”.
Efetivamente, demorou ainda um século a concretizar-se a profecia, mas há 50 anos atrás as desfolhadas de convívio e trabalho coletivo foram trocadas pela silagem individual feita com os pequenos tratores e máquinas que cortavam uma linha de cada vez, e cada família de agricultores passou a guardar o seu milho…
Mas o mundo dá muitas voltas e há 20 anos atrás trocámos as pequenas máquinas de ensilar pelas grandes automotrizes de cortar milho, o que exigiu chamar novamente os vizinhos agricultores com vários reboques para ajudar na colheita. Já não vem toda a aldeia à procura do milho rei, mas como agora somos poucos agricultores, vem quase todos os agricultores de cada aldeia… e depois cada um de nós vai com o reboque ajudar a recolha da silagem do milho dos vizinhos que nos ajudaram… ou da silagem de erva… e da “festa” da desfolhada de antigamente passámos para um almoço-convívio de trabalho, na casa de casa um ou no restaurante mais próximo…
Em plena pandemia, este ano a silagem da erva não permitiu convívios. Os restaurantes fecharam e a DGS aconselhou evitar ajuntamentos. Evitaram-se almoços conjuntos, comeu-se farnel ou marmita na cabine do trator, ou cada um na sua casa. O que foi pena, porque perdemos esse convívio. Mas, como disse a rainha de Inglaterra no discurso de 5 de abril, “…melhores dias virão. Vamos estar de novo com os nossos amigos. Vamos estar de novo com as nossas famílias. Vamos estar juntos de novo”. Desejo-vos um “desconfinamento” com cuidado, na esperança que possamos estar juntos de novo na hora de colher o milho que agora semeamos.
#carlosnevesagricultor