1) “Arguido”
Em Novembro de 2012, fui chamado ao posto da GNR de Vila do Conde para prestar declarações. Pensei que fosse por causa do aspersor (bico de rega) que me tinham roubado no Verão. Enganei-me. Era arguido por causa de uma manifestação em Lisboa. Que se passara?
Em Agosto desse ano, recebemos a notícia de que a Lactogal ia baixar um cêntimo no preço do leite ao produtor, com a agravante de sabermos que o “preço Lactogal” é a referência para os outros compradores. A crise de preços baixos já vinha de trás, o que motivou manifestações à porta dos supermercados em 2009 e à porta da fábrica da Lactogal, em Modivas, 2011. Faltava pedir a intervenção dos governantes. Combinámos uma concentração de produtores de leite em Lisboa, frente ao parlamento, a 4 de Setembro de 2012, organizada pela APROLEP e pelas cooperativas da zona Norte. O aviso da manifestação foi assinado por mim, em primeiro lugar, e por outras duas pessoas. Foi um erro nosso, assinar a título individual e não como representantes de organizações.
Enviado o aviso, fui contactado pela PSP de Lisboa e combinámos que os autocarros deixariam os manifestantes junto ao rio e subiriam pelo passeio da rua até ao parlamento. Foi assim que aconteceu até que chegou um grupo mais numeroso, com bombos, e subiram pelo meio da rua, acompanhados pela polícia sem oposição (só soube disso mais tarde). Eu fora mais cedo com dois colegas, preparar o espaço, afixar as faixas e o que fosse preciso. Ao entrar em Lisboa ligam-me da empresa que levava a instalação sonora… tinham receio de não ter gasolina suficiente para o gerador. Fomos então comprar gasolina para levar para uma manifestação 🙂 . Se os serviços secretos nos tivessem sob escuta ainda havia de ser bonito…
A concentração / manifestação decorreu sem incidentes, a polícia elogiou o nosso comportamento, a mensagem passou e no dia seguinte levamos à ministra Assunção Cristas uma proposta para os supermercados aumentarem 3 cêntimos no preço ao consumidor e passarem à indústria que passaria ao produtor. A ministra empenhou – se, ao princípio todos disseram que sim mas depois alguém voltou atrás com a palavra… o aumento só veio meses depois, bem como uma pequena ajuda extra do governo (0,002 € por litro de leite).
Antes desse aumento, chegou a minha constituição como “arguido”… Lá tive que ir aconselhar-me com o advogado e voltar ao posto da GNR uma segunda vez, para explicar como tudo se passou, que não fora responsabilidade minha se alguém andara fora do passeio. O processo foi depois arquivado porque o relator considerou que se tratou de uma manifestação e que na lei só estavam proibidos desfiles.
2) Operação Stop a uma manifestação! 🤨
Alguns anos mais tarde, 14 março 2016, nova crise, 3000 pessoas e 200 tratores na rua a caminho da circunvalação, no Porto, para visitar a Direção Regional de agricultura (governo), o Pingo Doce e o Continente. Manifestação APROLEP, CNA E FENALAC. Concentrámos os tratores em vários locais na parte Norte do Distrito do Porto e depois o ponto de encontro central foi a Nacional 13 em Vilar, Vila do Conde, frente à antiga sede da Cruz Vermelha. Chega a hora prevista, a GNR pede-nos para iniciar a marcha porque o transito começava a parar. Nós também queríamos ir rapidamente até ao Porto para nos juntarmos aos colegas que foram de carro e autocarro. Seguimos a bom ritmo até perto do cruzamento das Guardeiras… quando a polícia nos faz paragem. Tinham recebido ordens de Lisboa para pedir os documentos de todos os 200 tratores. O incómodo dos agentes pelo absurdo da situação era fácil de perceber. Ouvimos dizer, depois, que as chefias estariam com medo de alguma tentativa de bloqueio como a que acontecera semanas antes com os suinicultores em Lisboa. Valeu-nos a pressão das televisões a filmar a “cena”, chamadas por um colega nosso, e depois a intermediação da PSP do Porto, que estava na concentração. Ao fim de meia dúzia de inspeções parou a operação stop. Não houve multas e o resultado foi apenas uma enorme fila na Nacional13 atrás de nós. Seguimos para a manifestação sem mais incidentes e voltámos a casa a meio da tarde, em segurança e sem “arguidos”.
P. S. 1)Em todas as manifestações sempre tivemos o máximo respeito pelas autoridades e sentimos o mesmo respeito por nós, por parte dos agentes em serviço que percebiam estar perante gente de trabalho a reivindicar justiça. 2)Houve um terceiro incidente quando a polícia nos veio identificar no dia em que fomos comprar leite ao Pingo Doce. Também não houve consequências (não é crime comprar leite 😀)
#carlosnevesagricultor
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.