Com uma semana claramente marcada, a nível nacional, pelas celebrações dos 50 anos do 25 de abril – bem necessárias nos tempos em que vivemos, dado que a democracia tem vindo a sofrer várias ameaças -, pelas discussões na Assembleia da República em torno do IRS e pela boa notícia do regresso da tutela dos animais de companhia ao Ministério da Agricultura, foi de Estrasburgo que vieram as iniciativas de maior impacto para o setor agroalimentar.
Numa maratona de votações que decorreu de 22 a 25 de abril (com 89 textos legislativos e 7 resoluções), num Plenário que encerrou esta Sessão legislativa, o Parlamento Europeu (PE) pronunciou -se sobre dois importantes dossiês, a simplificação das ajudas, o que implica alterações nos Regulamentos da PAC e dos PEPAC, e, também, sobre as Novas Técnicas Genómicas (NTG).
Talvez a mais emblemática do ponto de vista político-mediático, pelas expectativas criadas, seja, de longe, a da simplificação das ajudas. É a redução do autêntico “fardo” administrativo e burocrático que acontece na sequência dos protestos dos agricultores um pouco por todas as capitais europeias, e em Bruxelas.
A segunda, tem mais a ver com o que falámos aqui na semana passada, de uma maioria de Estados-membros a favor, mas uma opinião pública e um Parlamento fortemente fragmentado, muito mais por razões ideológicas e menos científicas. Vejam-se os casos da Polónia, da Hungria ou da Bélgica. A Comissão Europeia reconhece agora que as NTG constituem uma ferramenta, um caminho que pode ajudar a agricultura a ser mais sustentável e competitiva. Para a indústria da alimentação animal é, certamente, uma tecnologia (para além dos OGM) que a torna menos dependente, mas, seguramente, equilibrando Agricultura e Ambiente e, igualmente importante, dotando o agroalimentar europeu das mesmas “armas” que os seus concorrentes no mercado mundial. É preciso não perder o foco.
Nesta discussão corria-se o risco de que os eurodeputados, apesar de já terem votado na sessão anterior, pretendessem deixar a sua “impressão digital”, condicionando o futuro Parlamento.
Felizmente, em ambos os dossiês, perante o que estava em debate, o atual Parlamento não desiludiu – apesar das divergências – e cumpriu a sua parte.
E agora, Conselho?
Nas NTG, tema que temos trazido a este espaço inúmeras vezes, chamando a atenção para as consequências da rejeição da proposta da Comissão que exprime uma firme vontade da maioria dos Estados-membros em avançar. A não rejeição da proposta, no limite, poderia conduzir a disrupções no aprovisionamento de matérias-primas para a alimentação animal (e humana), arrastando consigo inúmeros setores, mas a alteração apresentada foi rejeitada no dia 24 de abril do Parlamento Europeu.
Na segunda votação, o relatório de fevereiro foi adotado (ou reaprovado). Com esta votação, o PE confirmou o seu voto positivo, sendo muito relevante destacar, que, comparativamente a fevereiro, o apoio aumentou de 50,25% para 54,63%.
A primeira grande consequência é que a primeira leitura está encerrada e o novo Parlamento não pode reabrir a discussão ao nível das Comissões.
O processo segue agora para o Conselho que, sem maioria qualificada, vai procurar o necessário consenso.
Ao que sabemos – de resto o presidente belga em exercício já nos tinha confirmado – a Presidência da Bélgica, que tem assumido a neutralidade nesta temática devido a divergências internas, tudo irá fazer para convencer a Polónia a alterar a sua posição, uma vez que a Hungria é irredutível, enquanto a Roménia ou a Eslováquia seriam, não só mais difíceis face ao tempo de que se dispõe, mas porque são menos populosas, logo têm menos peso.
É provável que a Polónia queira negociar contrapartidas noutros dossiês, como o das importações de produtos agrícolas provenientes da Ucrânia.
São assim os consensos entre países na União Europeia.
Já os vimos antes com a Hungria, no pacote de ajudas à Ucrânia e em tantas outras situações…também por isso, a necessidade de reformas nas instituições, nas regras de votação e de representatividade, perante os novos desafios geopolíticos e um futuro alargamento.
Para já, vai ser uma luta contra o tempo porque a Bélgica entrega os destinos da União à Hungria, no segundo semestre e, em 2025, teremos a Polónia e a Dinamarca.
Quanto à simplificação, vale a pena fazer-se uma retrospetiva:
Em 15 de março, a Comissão apresentou um regulamento que alteraria dois regulamentos relativos à Política Agrícola Comum (PAC), como resposta aos protestos generalizados dos agricultores, que se opõem aos seus elevados encargos administrativos e a alguns requisitos ambientais. Pese embora a consulta pública que ainda decorre, e, ao que sabemos, sem uma avaliação de impacto.
Recordamos que as organizações representativas dos agricultores se congratularam com a proposta de simplificação administrativa da PAC, mas dividiram-se quanto à redução dos requisitos ecológicos e à amplitude das propostas, consideradas como muito pouco ambiciosas. Também nos lembramos que as organizações ambientalistas criticaram a Comissão, referindo as propostas como prejudiciais e assentes numa estratégia antidemocrática.
Neste pedido de urgência, com 425 votos a favor, 130 contra e 33 abstenções, os eurodeputados adotaram o texto já negociado com os Estados-membros. A revisão altera as normas relativas a três condicionalidades ambientais que os agricultores devem respeitar para receberem financiamento, prevendo, igualmente, uma maior flexibilidade para os países concederem isenções às normas da PAC se existirem problemas com a sua aplicação e em caso de condições meteorológicas extremas. As regras ambientais que foram flexibilizadas respeitam, nomeadamente, às obrigações de pousio e à diversificação de culturas, sendo que as explorações até dez hectares de superfície passam a ficar isentas de controlos e de sanções por incumprimento de algumas regras da PAC. É ainda simplificado o procedimento de alteração dos planos estratégicos nacionais da Política Agrícola Comum (PEPAC).
Para já, os movimentos ecologistas fizeram saber que a totalidade das explorações isentas de controlos ambientais representa 17 milhões de hectares, o tamanho da Alemanha.
Na próxima segunda-feira, 29 de abril, no Luxemburgo, o Conselho Agrícola terá a palavra, mas os agricultores não deixarão de fazer a sua apreciação, com a desconfiança de que, de Bruxelas, até hoje, nunca chegou uma verdadeira simplificação…e que os Estados-membros sempre se lembram de “complicar” mais um pouco.
Tenhamos esperança de que, desta vez, perante a dimensão dos protestos e das consequências, a semanas das eleições para o Parlamento Europeu, não nos confrontemos com um defraudar das expectativas.
O que também nos leva à apreciação das listas dos candidatos dos diferentes partidos políticos, já conhecidas, para as eleições de 9 de junho.
Correndo o risco de ser injusto, destaca-se a quase ausência, ou uma presença reduzida de potenciais “eurodeputados agrícolas”. Talvez seja, de facto, representativo do que somos e o que valemos, o que denota alguma incoerência com o discurso político mais recente…
Temos de continuar a trabalhar, de fazer mais, fazer melhor (diferente?). Sobretudo, trabalhar com os que forem eleitos (desde já a nossa inteira disponibilidade) e insistir em colocar na Agenda os temas da Agricultura, da Alimentação, do Mundo Rural. Em Portugal e na União Europeia.
O mais importante, porque todos somos Europa, é que os candidatos promovam a literacia europeia e o conhecimento das regras de funcionamento das instituições, desde logo das ajudas e fundos comunitários. Porque a ignorância gera, para além da manipulação, falsas expetativas, promessas vãs, demagogia e populismo.
Não nos podemos dar ao luxo de promover a abstenção e passar ao lado destes temas – do nosso papel na Europa e da União Europeia no contexto global – que são centrais para o nosso futuro.
Esperamos, sinceramente, que tenha sido essa o principal critério que presidiu à escolha dos candidatos. Caso contrário foi (mais) uma oportunidade perdida.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA
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