Existem coisas que se nos colam à pele, que queremos largar e não conseguimos, vivem connosco demasiado tempo, como se fossem um fado ou um destino, difícil de lidar e ainda mais complexo resolver, mitigar ou ultrapassar. E como, para o bem ou para o mal, isto anda tudo ligado, falamos esta semana de 3 temas que nos vão acompanhar por muito tempo e sobre os quais convém refletir, sobretudo na conjuntura atual de legislativas e europeias que se aproximam e para as quais temos a obrigação de não permitir que “nos passem ao lado”.
De que forma? Intervindo, construindo a nossa narrativa, não deixar que outros o façam por nós, saindo da nossa “zona de conforto”.
Por outro lado, se já tínhamos a perceção de que o ano de 2024 iria ser de desinformação, desde logo pela escalada das guerras, eleições em muitas zonas do globo, a crescente utilização (e condicionamento) das redes sociais e dos “influencers”, os últimos estudos apontam para uma certeza: a desinformação irá estar no topo dos riscos globais para o ano que agora começou.
Trazemos, assim, três temas muito relevantes para o futuro do Setor, sobretudo para os que acreditam que é possível mudar e ter futuro, em Portugal, para a Agricultura e o Agroalimentar.
O primeiro prende-se com a SILOPOR, que já trouxemos aqui algumas (demasiadas) vezes, e continuaremos a falar dela, até que vislumbremos uma solução que traga estabilidade para uma empresa que é estratégica para o País, na importação e na exportação. Tal significa competitividade, crescimento, parceria, compromisso, vontade política em resolver. Este dossiê está diretamente ligado à necessidade de uma interligação e visão conjunta das infraestruturas portuárias, dos stocks de segurança, da armazenagem, da segurança do aprovisionamento e da nossa alimentação. Foi devido à guerra na Ucrânia e em parte devido às nossas intervenções públicas e de tantos outros como nós, que o País ficou a conhecer melhor as nossas fragilidades, as dependências e vulnerabilidades, a exposição ao exterior, o potencial de crescimento das nossas produções.
Infelizmente, em termos estruturais muito pouco ou nada mudou, a incerteza e insegurança pairam, de quando em vez, e esta semana já tivemos uma nova ameaça, de greves e paralisações, se o Governo, leia-se Ministério das Finanças, não resolver o problema dos aumentos salariais. Dizem-nos que tudo se irá resolver…até à próxima situação. Convenhamos que necessitamos de previsibilidade e maior segurança, mais informação, e de quem se interesse politicamente pelo dossier, seja da Agricultura, Economia ou Infraestruturas, para já, em articulação com o Tesouro, que é quem tutela a empresa. E quando terminar a concessão?
O segundo tema tem a ver com o debate público, a ausência dos temas da agricultura, da alimentação e do Mundo Rural, do léxico dos políticos ou dos candidatos a deputados. Um péssimo sintoma, pior sinal para o que aí vem, que também denota um déficit do exercício de cidadania.
Dizem-me que os políticos, de todos os partidos, estão mais preocupados com a população urbana, quem dá votos, porque os distritos do interior elegem poucos deputados, cada vez menos, pese embora tenhamos uma PAC que ainda é relevante para Portugal e os “urbanos” estão bem mais preocupados com a saúde, habitação, emprego, os juros e o custo de vida e olham para o espaço rural, de uma forma idílica, para o fim-de-semana, para o descanso, para o sossego. Talvez na altura dos incêndios se preocupem com o abandono e desertificação. Agora temos a água a condicionar o Algarve, mas aposto que vai ser a Agricultura a principal sacrificada. Os alimentos continuam a estar disponíveis e, a maioria das pessoas desconhece que há toda uma cadeia de abastecimento que, apesar de tudo, nunca falhou. Mas não devemos dar isto como garantido, e os partidos políticos e “comentadores de serviço” deveriam ser os primeiros a interiorizar esta questão básica para qualquer sociedade. Como dizem os espanhóis, que têm apostado na mensagem de que, “si el campo no produce la ciudad no come”.
O facto é que, em boa verdade, esta não tem sido uma preocupação dos partidos políticos, mas veremos os respetivos programas e como vai ser a campanha para as legislativas. Salvo raras exceções e apenas quando algo corre mal é que estamos nos media, não aparecemos nos meios de comunicação social mais generalistas. O que fica, para o cidadão comum, é que não se fala de Agricultura.
E como ela mudou! Vejam, os urbanos, como se transformou a agricultura, a pecuária, a indústria agroalimentar, preocupada com os desafios societais, e como o Mundo Rural merece mais e melhor.
Isto leva-nos ao terceiro tema, quiçá o mais importante, a Comunicação.
Todos nos dizem que temos de saber comunicar, não sabemos divulgar Ciência, o que fazemos e como fazemos, comunicamos apenas para dentro do setor, é urgente falar a uma “só voz”. Tudo isto é verdade e não se trata apenas de um problema nacional, é comum a toda a União Europeia. É difícil chegar aos meios generalistas, temos poucas pessoas a escrever e pensar sobre estes temas, há que fazer mais e melhor, pese embora todos tenhamos assessores ou empresas de comunicação. Comunicar setores não é a tradicional comunicação de empresas ou marcas que, não raras vezes, nos querem vender campanhas de marketing. E, sobretudo, é preciso respeitar e ouvir quem nos desafia e não pensa como nós, trazer factos, argumentos convincentes, credíveis, soluções e ter um discurso pela positiva. Não esperar que outros façam o nosso trabalho e construir a narrativa de que falámos no início destas Notas. A este propósito referimos aqui um excelente artigo da Agrogés, de Miguel Vieira Lopes, “O efeito pernicioso da Lei e a importância da verdade”, de leitura obrigatória nos tempos que correm e a propósito das inúmeras “realidades paralelas” que se podem construir. Sempre em nome “do interesse público”.
Também por isso saudamos a iniciativa lançada pela CONSULAI, a B-Rural que pretende apostar numa comunicação que não se substitui às diferentes fileiras e que, com exemplos concretos, factos, tenta comunicar a verdade, aproximar o urbano das questões que se colocam hoje à Agricultura, como ela mudou e se transformou, apostando no slogan “A agricultura evoluiu, só você é que não viu“.
Este projeto pioneiro visa promover e fortalecer o setor agrícola e florestal, preenchendo a lacuna entre o mundo urbano e rural e desmistificando tendências de desinformação. A missão do B-Rural concentra-se em destacar e valorizar a evolução contínua das atividades agrícolas e florestais, desempenhando um papel crucial na coesão territorial e no fornecimento sustentável de alimentos aos consumidores
Não sabemos se vai ser mais uma tentativa, se vai ser “o” Projeto ou apenas mais um. Sabemos apenas que será aquilo que quisermos que seja, em função do empenho e cooperação de todos e de cada um.
Na IACA, e estou certo na Fileira pecuária, estaremos disponíveis para o analisar, divulgar e decidir a melhor forma de colaborar, em prol da promoção e divulgação das nossas atividades, com dados, factos concretos, apostando no trabalho das empresas, nos seus compromissos, e na capacidade de monitorização para nos ajudar as desmistificar ou esclarecer os que não pensam como nós, sem demagogia e fundamentalismos.
O B-Rural será apenas mais um instrumento, não “a solução”.
Essa depende de cada um de nós, do exercício de cidadania, espírito crítico, de não desistir, não esperar que terceiros façam o nosso trabalho. Comunicar tem de ser permanente e não apenas quando existem crises, emergências ou reagir a noticias adversas.
Por tudo isto, 2024 deve ser o ano do combate à desinformação.
Temos de saber, desde já, onde nos queremos posicionar.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Fonte: IACA