O maior produtor e consumidor de carne de porco do mundo sofreu diferentes fatores de instabilidade, que levaram a alterações estruturais internas na produção suinícola e no comportamento deste gigante asiático no mercado internacional.
A China é, de longe, o maior produtor de carne de porco do mundo e o maior mercado de consumo. No entanto, a produção chinesa enfrenta graves limitações, devido à escassez de água e de terras, que criam um défice estrutural na produção agrícola sentido a todos os níveis, afetando em grande medida os preços dos alimentos para animais, o que torna a China dependente de países estrangeiros para o fornecimento de enormes quantidades de cereais para alimentar a sua produção maciça de carne, o que limita o crescimento da indústria suína.
Historicamente, mais de 95% do efetivo suíno estava disperso por pequenas explorações familiares, com mais de 130 milhões de lares rurais a criarem porcos no início dos anos 2000, de acordo com o Censo Agrícola. No entanto, a indústria mudou rapidamente nos últimos anos, com um punhado de empresas a expandirem-se drasticamente, levando a que atualmente apenas 108 empresas detenham 25% da capacidade de produção suinícola da China, todas com mais de 10.000 porcas. Esta expansão acelerou durante um incentivo regulamentar ambiental 2014-17 que fechou centenas de milhares de pequenas explorações. Em seguida, a epidemia da Peste Suína Africana (PSA) aniquilou outros milhões de pequenas explorações.
O primeiro caso deste surto de PSA foi reportado pelas autoridades chinesas em agosto de 2018, espalhando-se rapidamente pela China e o Sudeste Asiático, afetando todos os países da região. Desde então, foram detetados mais de 170 focos individuais em diferentes regiões do país, o que se traduziu na diminuição de quase 50% do número de suínos durante os anos 2018 e 2019.
Esta redução representou cerca de um quarto do efetivo mundial de suínos, o que teve um efeito tremendo nas importações e nos preços durante 2019 e 2020.
Contudo, a PSA não afetou a imagem da carne de porco dentro do país e continua a ser a fonte preferida de proteína de carne em todas as regiões, géneros, idades e níveis de rendimento, sendo um alimento essencial da dieta chinesa.
Todas estas condições aprofundaram a necessidade estrutural da China e a dependência das importações de carne de porco. Apesar de todos os impactos negativos da Covid-19 e das perturbações no comércio internacional, as importações de carne de porco da China bateram recordes anteriores e superaram todas as expectativas em 2020. Os efetivos de porcos chineses ainda estavam a recuperar do enorme impacto da PSA e, embora as estimativas oficiais chinesas apontassem para o efetivo de porcos os níveis anteriores a 2018, a produtividade mantinha-se muito baixa, o que levou às importações.
Ao longo de 2021, o mercado chinês da carne de porco viveu vários fatores de instabilidade causados por diferentes fatores, incluindo o elevado investimento em 2020, surtos de PSA, preços elevados dos cereais e disparidades temporárias entre oferta/procura. O mercado chinês comporta-se geralmente com elevada volatilidade, com a produção e o desenvolvimento fortemente ligados aos preços e suas expetativas, causando ciclos profundos de altos e baixos muito intensos.
Os últimos dois anos de preços elevados e lucros enormes impulsionaram investimentos maciços de produtores de larga escala e investidores externos na indústria.
Ao mesmo tempo, as autoridades locais têm apoiado a construção de novas explorações modernizadas. Assim, a rápida expansão resultou num aumento da capacidade de produção e de mais suínos no mercado.
Nos primeiros quatro meses de 2021, os surtos de PSA relacionados com a nova variante, bem como as doenças de inverno, levaram a uma maior liquidação dos efetivos nas regiões afetadas impulsionada pelo medo de infeções, o que causou um aumento temporário do fornecimento de carne. Seguiu-se depois o abate de porcos pesados, uma vez que os produtores perderam a esperança da recuperação dos preços a curto prazo e
apressaram os porcos maiores que estavam a ser guardados para abate, exercendo uma pressão adicional sobre o abastecimento no período de abril a junho. Os surtos de doenças no Sul e Sudoeste da China durante os meses de maio e junho provocaram uma nova ronda de liquidação de porcos nas regiões afetadas.
Este súbito aumento da oferta resultou numa acentuada descida dos preços, bem como em resultados negativos para a suinicultura e negociação em H1, levando a menos importações de carne de porco no 2º e 3º trimestres, que é tradicionalmente uma estação com uma procura mais baixa. Na verdade, as importações de carne foram mais baixas para todos os tipos de carne durante este período. Este aumento da oferta foi combinado com as elevadas reservas de carne de porco congelada que tinha sido importada em grande escala durante os primeiros meses do ano, forçando a uma descida dos preços.
Estas tendências seguem a cultura empresarial de oportunidade tradicional do mercado chinês da carne de porco, que potencia ciclos fortes, com os preços e a produção a subir e a descer rapidamente, dependendo da perceção de escassez ou excedentes. O preço interno influencia fortemente as estratégias a curto prazo e estas, por sua vez, influenciam a produção nacional e, por conseguinte, os preços futuros, com períodos de expansão e contratação fortes e importações que colmatam as lacunas.
Com o aumento inesperado da oferta dos primeiros três trimestres do ano, que empurrou os preços para baixo, e com o aumento dos custos da mão-de obra e dos alimentos para animais, a indústria sentiu fortes quebras, desencadeando enormes reduções de porcas e porcos, o que impulsionou uma oferta mais alta e os preços mais baixos. Isto levou a uma contração do efetivo de fêmeas e machos, estabilizando novamente os preços à medida que a procura aumenta com os meses de inverno.
Com a procura a começar a atingir o seu pico nos meses mais frios, e após uma diminuição do efetivo de fêmeas, a oferta baixou e os preços recuperaram, tanto para os porcos como para a carne.
Os especialistas estimam que os preços continuarão a subir de forma constante nos próximos meses, embora não atinjam os níveis de 2020. Os especialistas projetam uma redução entre 15% e 20% na quantidade de carne de porco produzida na China em 2022, o que levará a um aumento dos preços locais e ao aumento das importações.
De acordo com o Agricultural Outlook 2020-2029 do Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais sobre o desenvolvimento da indústria pecuária, a China tem como objetivo alcançar os 95% de autossuficiência na produção de carne de porco após a recuperação do efetivo. Embora isso signifique que as importações possam diminuir em comparação com os níveis de 2020, tendo em conta o consumo interno de 45 milhões de toneladas em 2021, que deverá crescer a um ritmo constante, 5% da quota de mercado das importações indica cerca de 2 a 2,5 milhões de toneladas de carne de porco importada, um valor grandioso para os exportadores em todo o mundo.
Portugal representa atualmente 0,7% das importações de carne de porco da China, o que permite a abertura de muitas oportunidades de crescimento para os exportadores portugueses neste mercado, com os valores das exportações a crescerem de 7,6 milhões USD em 2019 para 20,9 milhões em 2020 e 60,7 milhões em 2021 (janeiro-out).
Andrea González, Project manager for the EU Pork: from Farm to Fork Campaign in China
O artigo foi publicado originalmente em FPAS.