Áreas anteriormente vedadas à prática agrícola e que têm sido importantes para a natureza e biodiversidade já receberam autorizações para a produção agrícola. Tiago Luís, técnico de Ciências do Ambiente e especialista em Alimentação na Associação Natureza Portugal/World Wild Fund, analisa a questão alimentar neste artigo de opinião
Ao longo das últimas semanas, um pouco por toda a Europa e inclusive em Portugal, algumas confederações e organizações do setor agrícola, a par com algumas personalidades, têm vindo a manifestar publicamente as suas preocupações quanto ao desafio que paira sobre a segurança alimentar da UE, defendendo medidas urgentes a curto e médio prazo. Os argumentos usados para justificar incumprimentos ambientais não são novos, apresentando os compromissos ambientais como um entrave, não ao desenvolvimento económico, mas à mitigação da crise económica e social que já enfrentamos.
Acima de tudo, estas preocupações têm-se manifestado através de pressões sobre os governos europeus para diluir as respetivas metas ambientais e climáticas assumidas em vários instrumentos comunitários (como a Estratégia Do Prado Ao Prato e a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030, resultantes do Pacto Ecológico Europeu) e nacionais (Planos Estratégicos da Política Agrícola Comum) no que diz respeito ao setor agro-alimentar – servindo os interesses de parte do setor e falhando aos consumidores e aos pequenos agricultores.
Esta narrativa começa a ter efeitos práticos: foram já concedidas a vários países, entre os quais Portugal, autorizações para utilização de áreas importantes para a natureza e biodiversidade para produção agrícola (anteriormente vedadas à prática agrícola). Simultaneamente, o apelo que tem sido feito para a não integração das metas do Pacto Ecológico Europeu (PEE) no âmbito dos Planos Estratégicos da PAC (PEPAC), se bem-sucedido, significará, por exemplo, o recuo do compromisso do setor agro-alimentar para aumentar a produção biológica de alimentos em 25% ou a redução do uso de pesticidas até 50%. O adiamento da Lei do Restauro da Natureza da UE e da Diretiva Quadro do Uso Sustentável dos Pesticidas são também já consequência das pressões que se fazem sentir.
Importa então desmistificar 4 ideias que vamos ouvir ser repetidas à exaustão, mas que não serão mais verdadeiras por isso:
1. “A guerra coloca em causa a nossa segurança alimentar”.
Ao contrário do que esta ideia parece sugerir, os cereais que importamos dos países envolvidos no conflito servem em boa parte para produção de rações animais ou biocombustíveis – ⅔ dos cereais importados têm como destino a alimentação de gado. Precisamente uma das potenciais causas de insegurança alimentar dos europeus é o excesso de consumo de alimentos de origem animal – além dos problemas de saúde e ambientais sobejamente conhecidos. […]