Projetos Expresso. Todos concordam que promover uma produção agrícola sustentável e uma alimentação saudável são elementos que devem andar juntos. A forma é que é motivo de discussão
Há quem lhe chame a era da informação e quem lhe chame a era da desinformação. A alimentação e a produção agrícola encaixam-se nestes dois campos. Ou não estivéssemos também numa fase de grande mudança de mentalidades e em que muitas vezes parece que só se pode escolher um lado da trincheira. O equilíbrio — que deve ser sempre regra na dieta diária (senso comum e nutricionistas dixit) — é a chave para garantir um futuro ambiental e produtivo mais sustentável.
Estas preocupações foram evidentes nas conversas que marcaram a atribuição das distinções da 6ª edição do Prémio Intermarché Produção Nacional, a que o Expresso se associa. O secretário de Estado da Agricultura e Alimentação, Luís Medeiros Vieira, foi um dos presentes, na sessão aberta pelo administrador do Intermarché, Martinho Lopes, na Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, e traçou o retrato de um sector agroalimentar em que “a inovação tem sido fator de sucesso” e que, por exemplo, registou um “aumento de 3% nas exportações.” Por isso o governante é perentório quando pede para “não diabolizar certos alimentos” em detrimento de outros.
“Temos de ter uma oferta que vá ao encontro das tendências atuais”, confidencia Gonçalo Lobo Xavier. O diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição destaca o esforço desenvolvido no último ano para reduzir a quantidade de sal e açúcar em certos produtos, com a certeza de que não há “vontade em acabar com os sabores tradicionais” mas sim em garantir que estes cumpram mais a raiz de uma “alimentação mediterrânica equilibrada”. É importante enveredar por um caminho que permita ser “sustentável do ponto de vista ambiental, económico e da qualidade”. Na opinião do responsável, “não vale a pena salvar o mundo matando-o”.
Um dos casos que originou mais discussão nos últimos tempos, relativamente ao seu impacto e necessidade, foi a decisão da Universidade de Coimbra em retirar a carne de vaca dos seus menus. O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, Eduardo Oliveira e Sousa, não tem dúvidas em reforçar que se tratou de “um assunto muito mal equacionado”, porque, “além de criar um alarme injustificado nos consumidores, tem efeitos prejudiciais” junto dos produtores: “É na universidade que os assuntos devem ser debatidos e aprofundados, não descartados”, atira.
Sem querer pegar “neste caso em específico”, a secretária-geral da Associação Portuguesa dos Nutricionistas, Helena Real, vê com bons olhos “as instituições começarem a pensar na sustentabilidade ambiental e alimentar”, ao mesmo tempo que defende que é importante “reduzir o consumo de carne”, seja de porco ou de carne de vaca, para quem não planeia abdicar de comer. “100 a 120 gramas por dia é mais que suficiente. Temos sempre mais que isso no prato”, alerta. A educação para a alimentação pode e deve começar o mais cedo possível, porque será sempre a melhor forma de mudar as mentalidades das próximas gerações. Se bem que a população no geral já esteja “muito mais sensibilizada”, garante Rui Marques.
Morangos em janeiro
O responsável pelo blogue “Pitada do Pai” realça que é preciso trabalhar para continuar a “consciencializar” as pessoas para que estas consumam mais “produtos sazonais e frescos” e menos processados. “Se a Terra me dá laranjas em janeiro porque haverei de comer morangos”, é a questão que Rui Marques deixa. A “agricultura já começa a responder, mas ainda tem que se adaptar mais”, considera, ao passo que é preciso “olhar mais para a qualidade e menos para o preço”, algo que ainda é muito habitual no processo de pensamento e decisão.
“A produção biológica acarreta o aumento dos custos de produção”, menciona o fundador da Quinta dos Olmais, Júlio Alves, para quem existem também “falhas da parte dos produtores em não conseguir dialogar com os consumidores” para tornar mais claro o trabalho que estão a desenvolver e “desmistificar” algumas das opiniões que andam a surgir. “Temos que fazer ver que os agricultores não são de repente os maus da fita”, lembra.
Para a responsável do Departamento de Qualidade do Intermarché, Flávia Gaspar, é claro que os produtos naturais “contribuem para uma alimentação mais saudável e esses alimentos vêm da agricultura.” Ou seja, “a agricultura deve ser sustentável para que o resultado final seja de qualidade.” Como reforça Helena Real, o “grande desafio é ter um conjunto de alimentos variados que seja cada vez mais acessível.”
Desperdício e produção
80
milhões de toneladas é a quantidade de comida desperdiçada por ano na UE. Em Portugal esse número é de 1 milhão de toneladas, cerca de 17% dos alimentos produzidos
7,5
mil milhões de euros é o valor da produção agrícola portuguesa segundo os dados mais recentes
50,6
por cento dos portugueses mostraram-se disponíveis para reduzir o consumo de carne, segundo o 2º Grande Inquérito sobre Sustentabilidade do Instituto de Ciências Sociais
Os premiados
Produção primária
Grão-de-bico Casal do Vouga, José Augusto Roque do Rosário Azoia Entre os maiores atributos deste produto ribatejano, que provém de práticas de cultivo familiar há duas gerações, estão a pegada ecológica inferior, o facto de representar uma boa alternativa para rotação de culturas e cozer facilmente
Mel de rosmaninho, Margens do Alqueva Joaquim António Isidro Farófia Produto natural dos prados alentejanos tem características ambientais que favorecem o rosmaninho, proporcionam às quase 1200 abelhas um néctar de melhor qualidade e resultam em 27 toneladas de mel por ano
Produtos transformados
Queijo de cabra artesanal biológico, Bézé — Arte e Decoração O leite nacional biológico, que é a matéria-prima deste produto da Beira Baixa, é comprado sobretudo a produtores locais, procurando de forma verdadeira e efetiva a promoção da economia local na região de Idanha-a-Nova
Aguardente de pera-rocha, Old Nosey Miguel Gonçalo de Barros e Vasconcelos Guisado Destilada em alambiques de cobre num antigo quartel-general das Linhas de Torres Vedras, a partir de peras-rocha do Oeste, produzidas em pomares tradicionais de sequeiro com mais de 60 anos, a bebida é detentora de quatro certificados de garantia de qualidade
Inovação em embalagem
Azeite biológico, Arvólea Este azeite transmontano, com design exclusivo, já mereceu várias medalhas internacionais. Métodos de produção baseados em tradições locais conferem-lhe um sabor (picante) e qualidade únicas
Ideias com potencial
Queijos paladares paroquiai,s Engenho dos Paladares O projeto de queijos (só de leite de vaca) “100% naturais, 100% sociais” foi ideia do padre Samuel Guedes para ajudar as pessoas em dificuldade nas três comunidades das quais era pároco em Paços de Ferreira
Menções Honrosas
Produção primária
Quinoa portuguesa em grão, QÊPÊTÊ — Produção e Comercialização de Produtos Alimentares Resultou do investimento de três empreendedores. Os primeiros (e ainda únicos) produtores de quinoa em Portugal pretendem oferecer um excelente valor nutricional a um valor acessível. Uma área de cultivo biológico de 14 hectares, próximo de Bragança, que produz cerca de 40 toneladas por ano
Inovação em embalagem
Goomato, Horticilha Agroindústria É uma marca de Setúbal de variedades de tomate de produção própria durante todo o ano, que se destacam não só pelo sabor e valor energético mas também por uma embalagem sustentável e que garante uma melhor conservação.
Textos originalmente publicados no Expresso de 4 de outubro de 2019