O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, assegurou à Lusa, em vésperas de sair do cargo, que não vai deixar o setor ou a organização, e elegeu o aproveitamento da água como uma área a melhorar.
“A vida não para, os assuntos nunca estão todos tratados e, por isso, daqui a três anos haverá outras crises e outros assuntos, alguns provavelmente os mesmos. Por isso, achei que estava na altura de parar, embora não esteja a dizer adeus ao setor e menos ainda à própria organização. Vou manter-me ligado, passarei para assembeia-geral, acompanharei com muito interesse os trabalhos da organização e continuarei com a minha atividade ligada ao setor”, afirmou Eduardo Oliveira e Sousa, em entrevista à Lusa.
O atual presidente da CAP prepara-se para deixar o cargo, passando para a mesa da assembleia-geral, depois de seis anos à frente da confederação, e deverá ser substituído pelo antigo embaixador Álvaro Mendonça e Moura, que encabeça a lista única que concorre à eleição para os órgãos sociais, agendada para esta quarta-feira.
Apesar de os estatutos da CAP não preverem um número máximo de mandatos para o seu presidente, Eduardo Oliveira e Sousa recordou que assumiu o cargo em 2017, “fora de um contexto de concorrência ou de competição pura”.
Foi desafiado a liderar, por um mandato, a confederação dos agricultores, com a certeza de que ocuparia este cargo por apenas três anos.
Contudo, a insistência de colegas e os acontecimentos que abalaram o país, com destaque para a pandemia de covid-19, ditaram a sua recandidatura.
Agora, acabado de fazer 70 anos, acredita que está na altura de preparar a geração seguinte, assumindo com naturalidade a passagem de pastas.
O líder da CAP orgulha-se de ter conseguido colocar a agricultura, de uma forma diferente, no dia-a-dia das pessoas, classificando este setor como “um dos cinco eixos que sustentam a soberania” de Portugal, ao lado da defesa nacional, justiça, saúde e educação.
“A agricultura teve um momento de grande afirmação que foi quando passámos pela pandemia. Não faltou nada nos supermercados, foi das poucas atividades que não parou. O país viveu, tranquilamente, à volta da questão dos alimentos. É curioso que tenha havido corridas aos supermercados por causa do papel higiénico, mas ninguém foi a correr por faltarem alfaces, carne ou leite. A agricultura esteve presente e, por isso, lançámos o mote de que a agricultura não para”, apontou.
No entanto, reconheceu alguma dificuldade em passar a mensagem quando se trata de temas mais complexos, como a Política Agrícola Comum (PAC), tendo sido desencadeado um trabalho, junto das camadas mais jovens, de sensibilização sobre estas matérias.
“Falámos até para as crianças para tirarmos a imagem errada […] de que o agricultor é uma profissão secundarizada, uma atividade de subsistência, alguém que faz mal aos animais, envenena os solos ou estraga a água. Todos esses conceitos estão errados e, pouco a pouco, com imagens da modernidade que os agricultores praticam, das tecnologias que usam nas explorações e do resultado dos produtos que temos, com segurança para a nossa alimentação, creio que esse é o balanço positivo que faço do meu mandato”, referiu.
Contudo, gostava que, neste período, a água e a seca tivessem sido temas com “uma abordagem mais focada” em Portugal e que o Governo tivesse “visão” para não correr atrás do prejuízo.
Eduardo Oliveira e Sousa assumiu ainda que ser presidente da CAP nunca esteve nas suas ambições privadas, “e talvez tenha sido melhor assim”, mostrando-se feliz por ter sido convidado pela lista candidata aos órgãos sociais a manter-se em funções, notando que estará à cabeça da assembleia-geral quando a CAP celebrar os seus 50 anos, em 2025.
“Quando as coisas acontecem de surpresa, empenhamo-nos de uma maneira muito grande e espero ter, pelo menos, feito aquilo que os meus conhecimentos me permitiram e que tenha sido [um trabalho] positivo”, acrescentou.
O líder da CAP notou também que o seu mandato ficou marcado por um daqueles que classificou como os três períodos históricos da confederação.
“A CAP começa fruto da revolução, num período em que as propriedades tinham sido retiradas. Nasceu como um movimento de reivindicação, associado às célebres manifestações de Rio Maior”, recordou.
A história da confederação dos agricultores cruza-se também com a adesão de Portugal à União Europeia, numa altura em que a CAP já tinha um corpo técnico definido, a acompanhar a evolução da política agrícola.
“Um passo gigantesco, que teve dirigentes marcantes” ao nível do Governo e da própria CAP, como José Manuel Casqueiro ou Raul Miguel Rosado Fernandes, destacou.
Um terceiro momento marcante prende-se com os fogos florestais (2017), a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia, que disse ser uma “preocupação”, vincando que “aquela guerra rapidamente nos pode bater à porta”.
Apesar de considerar não lhe competir fazer uma projeção sobre o futuro ou definir a escada de prioridades da próxima presidência da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa considerou que, além da água, a divisão do Ministério da Agricultura (com a retirada das florestas) é um assunto “que ainda vai fazer correr muita tinta”, mostrando-se confiante de que, “mais ano, menos ano”, a decisão vai ser revertida porque “os governantes já perceberam que talvez não tenha sido bom darem aquele passo”.
Instado a fazer o retrato que gostaria de ver do setor agrícola na próxima década, Oliveira e Sousa disse ser “um homem de fé” que tem a certeza absoluta de que, em Portugal, a agricultura nunca vai terminar.
“Temos jovens que querem ser agricultores, têm tecnologia de ponta e acesso a recursos extraordinários. Temos a luz e o solo, que não sendo suficiente permite manter a atividade agrícola com representatividade. Se resolvermos os problemas da água, temos condições para ter uma agricultura de vanguarda, que não traz vergonha em parte alguma […]. Temos que procurar a mais-valia dos nossos produtos para que haja um crescimento económico de valor na nossa agricultura”, concluiu.