Milhares de mensagens enganosas, teorias da conspiração e suposta ciência a favor da carne estão a impedir uma mudança para uma alimentação e agricultura mais sustentáveis, indica um estudo divulgado hoje.
O trabalho é de uma empresa suíça de análise de dados, “Ripple Research”, feito para a organização “Changing Markets Foundation”, que pretende acelerar e ampliar as soluções para os desafios da sustentabilidade, tirando partido do poder dos mercados. Defende que os consumidores retirem o apoio a empresas que prejudicam a sociedade.
Segundo um comunicado hoje divulgado foram analisadas milhões de mensagens, parte delas opondo-se a uma agricultura mais sustentável na Europa e na América do Norte. Foram “quase um milhão de ´posts´ enganosos”, muitos a atacar os defensores de alimentação alternativa, ou mesmo Bill Gates, que tem alertado para o impacto dos fertilizantes e das vacas (nomeadamente na produção de metano) no aquecimento global, e defendido que o futuro está na “carne” à base de plantas.
São, diz o estudo, também muitas mensagens divulgadas por personalidades “da direita política”, que depois são partilhadas e replicadas.
“A investigação é um retrato abrangente de uma guerra de comunicação contra a preocupação científica e políticas sobre os impactos ambientais e na saúde da agricultura e a mudança dos padrões de alimentação”, diz o comunicado, segundo o qual os “grandes interesses” do setor da carne e dos laticínios estão “claramente por detrás” de algumas das mensagens.
Na Irlanda, Países Baixos e Estados Unidos as publicações misturam teorias da conspiração com propostas genuínas dos governos, o que confunde e dificulta mudanças políticas.
O relatório da investigação recorda que na quinta-feira começa no Dubai a cimeira mundial sobre o clima, a COP28, para dizer que essas mensagens dificultam que se integre a alimentação e a agricultura nos planos climáticos nacionais, como querem os anfitriões, os Emirados Árabes Unidos.
O documento acrescenta que está previsto debater, no dia 04, um compromisso global sobre o metano embora não se esperem decisões firmes. A FAO, organização da ONU para a alimentação e agricultura, deverá, no dia 10, pedir um menor consumo de carne aos países ricos.
O estudo analisou 285 milhões de mensagens, principalmente das redes sociais Twitter/X ou Reddit mas também em blogues e fóruns, enviados num período de 14 meses que terminou em julho passado, e identificou 948.000 mensagens que distorcem a verdade para promover a carne e os laticínios, atacando as alternativas.
Essas mensagens foram geradas por 425.226 contas reais e de ´bots´ (computadores que emitem mensagens de forma automática a partir de perfis falsos nas redes sociais), sendo que apenas 50.000 dessas contas geraram 3,6 milhões de gostos, partilhas e comentários.
Das 948.000 mensagens consideradas desinformação 78% eram mensagens de ataque e de conspiração, associando carne sintética a doenças e fome, dizendo que leite à base de plantas e proteínas alternativas não são nutritivos, que são produtos ultra processados que provocam cancros e doenças graves.
Muitas mensagens negavam também que o gado seja um problema para o ambiente, alertavam para o encerramento de explorações, diziam que os vegetarianos eram efeminados, associando a carne à força, resistência sexual e fertilidade, e acusavam os vegans de quererem que a população coma insetos.
Os autores da investigação disseram ter ficado surpreendidos com o nível de hostilidade contra as proteínas alternativas, porque a maioria das mensagens era de ataque e apenas uma em cada cinco eram a promover a carne e os laticínios.
No documento a que a Lusa teve acesso fala-se do ‘lobby’ poderoso que impede legislação para impedir reduções de emissões de gases na agricultura, “responsável por 37% das emissões globais”, que faz recuar os apoios a leites à base de plantas, e que luta para manter o controlo sobre a utilização das palavras “hambúrguer” e “leite”.