Exposição de motivos
Nos últimos 10 anos, apenas em 2014 Portugal não registou situações de seca no final do mês de setembro. E em 5 dos 10 anos considerados, Portugal apresentava quase a sua totalidade do território em situação de seca, registando-se que, em outubro de 2019, apenas 6,8% do território se encontrava em situação normal, e 31,9 % do território apresentava condições de seca severa e 4,3% de seca extrema.
Os cenários desenvolvidos para Portugal no que respeita às condições climáticas, confirmando preocupações crescentes das populações e dos agricultores, apontam para o aumento da frequência e agravamento de situações de seca meteorológica, particularmente na região sul do país, podendo mesmo intensificarem-se no futuro, o que implica um aumento do risco e da vulnerabilidade a estes fenómenos, com importantes impactes ao nível das disponibilidades hídricas e consequentemente ao nível do sector agrícola e nos planos económico e social.
A prevalência no tempo e a maior frequência de ocorrência de condições de seca traduzem-se em menores volumes de armazenamento das albufeiras e na escassez de água para diferentes utilizações, com as bacias hidrográficas do Sado, do Mira e do Barlavento Algarvio a apresentarem valores de disponibilidade hídrica frequentemente inferiores ao valor médio de armazenamento dos últimos 30 anos.
No que respeita ao último ano, não houve um único mês em que parte do território nacional não estivesse em condição de seca, de acordo com as informações disponibilizadas pelos Instituto do Mar e da Atmosfera. Em setembro de 2022 todo o território nacional se encontrava em situação de seca, com 32% do território em situação de seca severa. Passado o outono e o inverno, chega-se a março de 2023 já com cerca de metade do território nacional em seca, sendo que 10,2% do território se encontra em seca severa e 14,2% do território em seca moderada.
Esta situação já se reflete no nível de armazenamento das albufeiras e, no caso do Alentejo e Algarve, há já aproveitamentos hidroagrícolas em que a campanha agrícola 2022/2023 decorrerá com restrições, sendo os casos mais problemáticos os de Campilhas e Alto Sado, Mira, Silves Lagoa e Portimão, onde se registam défices hídricos agrícolas significativos.
Face às condições atuais de seca e às temperaturas elevadas que têm sido sentidas, diversas associações de agricultores reclamam a tomada de posição do Governo nesta matéria, face a um cenário de perda das pastagens, forragens e cereais que é praticamente irreversível.
Com a seca instalada no país, designadamente no interior Norte e Centro e igualmente a Sul, no Alentejo, os produtores de gado e agricultores já estão a utilizar os recursos que deveriam estar reservados para o Verão, pondo em causa o futuro da produção, quer agrícola, quer pecuária, e, por isso, reclamam o reconhecimento formal da situação de seca para que se possa aceder a apoios de âmbito comunitário, à semelhança do que já acontece em Espanha.
No perímetro de rega do Mira estima-se que 85% dos recursos hídricos disponibilizados para a agricultura sejam consumidos pelas explorações de frutos vermelhos, na sua maioria produzidos em estufa, de forma superintensiva, pondo mesmo em causa a disponibilidade de água para os pequenos agricultores e produtores pecuários.
Sendo certa a necessidade de se adotarem medidas estruturais para assegurar uma maior e mais eficaz retenção da água do inverno e de encontrar soluções de mitigação e de resposta às cada vez mais frequentes e acentuadas condições de seca, importa no momento imediato assegurar as condições aos agricultores e produtores pecuários para que não se percam a totalidade das produções, para a salvaguarda dos animais e para assegurar os rendimentos necessários para manterem a atividade.
O Grupo Parlamentar do PCP defende que é necessário reconhecer as dificuldades que as condições de seca representam na produção agrícola, e adotar as medidas necessárias para proteger as produções e garantir a continuidade das explorações.
Nestes termos, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte:
Resolução
Admitindo-se que a frequência de ocorrência de condições abióticas desfavoráveis e sua gravidade podem vir a acentuar-se com o efeito das variações climatéricas o que poderá provocar um incremento dos seus impactes, nomeadamente sobre as atividades agrícolas e pecuárias, a Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que:
- Reconheça e declare formalmente a situação de seca que atinge o território nacional;
- Sejam tomados os procedimentos necessários para que, no imediato, acione a ajuda de crise no âmbito da Política Agrícola Comum, para que os agricultores afetados possam aceder a esses apoios extraordinários;
- Crie um apoio extraordinário dedicado à aquisição de alimentação animal, quer no que respeita à pecuária, quer no que se refere à apicultura, para assegurar a disponibilidade de alimento necessária para a manutenção dos efetivos, salvaguardando a continuidade das explorações.
- Tome as medidas de gestão da utilização da água para fins agrícolas, nos diversos aproveitamentos hidroagrícolas, de modo a salvaguardar o acesso à água pelos pequenos e médios agricultores e agricultores familiares, considerando a precedência destes, face a utilizações da água para rega de culturas em regime superintensivo.
Assembleia da República, 03 de maio de 2023
Os Deputados,
JOÃO DIAS; ALMA RIVERA; PAULA SANTOS; BRUNO DIAS; DUARTE ALVES; MANUEL LOFF
Fonte: PCP