Fábio Gerardo e Ana Martins chegaram há quase sete anos a Matança, Fornos de Algodres, uma terra que desde há muito se habituou a ver mais gente a partir do que a chegar. Para ser mais preciso, no caso de Fábio, de 30 anos, tratou-se de um regresso. “Desde pequeno, sempre foi esta a minha ideia”, confessa. Os seus avós maternos viviam naquela freguesia do distrito da Guarda e o próprio Fábio nasceu ali, mas mudou-se para Lisboa com poucos meses de idade, à boleia dos pais.
Só regressou em 2012, já com o curso em engenharia zootécnica tirado no Instituto Superior de Agronomia (ISA). O primeiro passo, em conjunto com a companheira, Ana Martins, formada em engenharia alimentar, foi a aquisição de 60 cabras murcianas, logo em Agosto. Hoje, o rebanho que Pumba, um cão arraçado de Serra da Estrela de porte respeitável, vigia diligentemente chega já a 280 animais.
Parte dos terrenos eram dos avós de Fábio e foi com esses que começaram a actividade. Eram cerca de 10 hectares. Nos anos que se seguiram, a área duplicou. Começaram a arrendar terrenos até chegar aos 20 hectares de superfície útil. “No início, com 60 cabras, tinha 50 a dar leite. Com os dois a ordenhar à mão, eram três horas de manhã e três horas à noite”, recorda Ana Martins, 32 anos, nascida em Cascais. “Agora, com 150 cabras a dar leite neste momento, uma só pessoa demora duas horas”, descreve.
A diferença na eficiência está no investimento de 435 mil euros, comparticipado em 238 mil pelo anterior quadro comunitário, no âmbito do apoio à instalação de jovens agricultores do PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural), que ajudou a modernizar os meios arcaicos com que os antepassados levavam a mesma actividade. As maiores despesas foram a construção de novas instalações: um capril com cerca de mil metros quadrados, com escritório, sala de ordenha, sala de leite, cabritário, enfermaria e nave principal.
Os meios são diferentes para um resultado que se pretende semelhante ao antigo: o leite de cabra deve alimentar a produção tradicional de queijos. Quando se fixaram em Matança, a avó de Fábio, que costumava fazer queijo da serra a partir do leite das suas ovelhas bordaleiras, era ainda viva e introduziu Ana ao fabrico do queijo. A jovem começou por fazer dois por dia, num processo de experimentação, até chegar aos 1000 quilos anuais. Pelo meio houve uma paragem. “Meteu-se a vida”, descreve Ana Martins, para se referir ao filho que nasceu em 2015. A comercialização teve depois início em Março de 2017 e já se diversificou: para além do queijo de cabra curado há os queijos de urtigas, de malagueta e de especiarias e ainda o requeijão e o queijo fresco.
Aumentar a produção
O objectivo, explica Ana, é “oferecer ao mercado um queijo que seja diferente do que existe hoje e que existia há 50 anos” e poder fazê-lo chegar a lojas da especialidade em vários pontos do país, mas sem industrializar a produção. O queijo, sempre composto pelos ingredientes essenciais (leite de cabra, sal e cardo), conta apenas com a automatização a ajudar as rotinas. “Estamos a andar para trás, mas com tecnologia”, resume.
Hoje, apesar de ter aumentado o volume de produção a pequena queijaria não tem capacidade para absorver todo o leite do rebanho. No total, são 50 mil litros de leite por ano, mas Fábio Gerardo, estima que apenas 20% vá para produção própria de queijo. O restante é vendido outros produtores. A unidade de transformação apenas ocupa cerca de 20 metros quadrados, sem câmara de cura, no piso térreo da moradia do casal, mas os resultados da Quinta do Mondego – Queijaria Artesanal são prometedores: já valeram uma medalha de bronze no Concurso Nacional de Queijos Curados Tradicionais Portugueses, na categoria de queijo de cabra curado. A meta para o futuro próximo está traçada: continuar a aumentar o rebanho, a dimensão da queijaria e conseguir chegar a produzir mais de 73 mil litros de leite por ano.
Sem o apoio inicial do programa comunitário até conseguiria lançar a actividade, introduz Fábio. “Mas, para além de mais difícil, era totalmente impossível crescermos tão rápido”, explica, acrescentando que, “em vez de 438 mil euros em dois anos”, teria demorado “cinco ou seis anos”. Não é difícil de perceber porquê. O investimento inicial no sector é pesado. “Hoje em dia, um tractor simples custa mais do que um carro topo de gama”, refere. Depois prossegue a contabilidade: só para o tractor e para as alfaias foram 75 mil euros (mais IVA); a máquina de ordenha, saldou-se em 35 mil euros.
Nem tudo são facilidades. Ana Martins fala da dificuldade que alguns destes jovens têm em navegar as águas sinuosas da burocracia e dos impostos, ao passo que Fábio lembra que o financiamento é aprovado “com base num plano de negócios que nem sempre bate certo com a realidade”. Mesmo que as contas sejam feitas por baixo, por vezes, “a realidade consegue ser pior” do que se espera. Mesmo que o ano corra mal, o produtor tem de cumprir as metas a que se propôs. Se um dos parâmetros de avaliação do projecto é a rentabilidade económica, completa Ana, “basta haver cheias, seca, incêndios ou um lote de animais ficar doente”, que essa variável fica completamente alterada. “Nesse caso, acabou. Já não produzo 100 mil, já só produzo 10 mil”, acrescenta.
Mais competitiva e mais sustentável
O apoio a Fábio e Ana é uma das faces da Política Agrícola Comum (PAC), que começou por ser desenvolvida para ajudar a levantar a agricultura europeia do pós guerra e tem vindo a sofrer sucessivas alterações, principalmente a partir do início dos anos 1990. Hoje é uma das políticas com mais peso no orçamento da União Europeia, representando mais de um terço da despesa. Dados da Comissão Europeia mostram que, dos 160 mil milhões do orçamento geral de 2018, 58 mil milhões foram para o sector agrícola.
Para o professor catedrático emérito do ISA, Francisco Avillez, o importante é que a agricultura portuguesa se torne mais competitiva e, “ao mesmo tempo, mais sustentável e ambientalmente equilibrada”. É nesse sentido que a reforma da PAC, que já se está a desenhar para o próximo quadro comunitário, está a apontar, refere. Com a reforma que se aproxima, refere Avillez, Bruxelas “está mais interessada em objectivos e resultados. Os instrumentos que possamos utilizar para os concretizar vão depender cada vez mais de nós”, sintetiza.
Olhando para trás, os números do Instituto Nacional de Estatística mostram que, desde os anos 1990, a produção agrícola portuguesa subiu. Era de 5359 milhões de euros em 1990 e passou para 7450 milhões de euros (valor provisório) em 2017. O rendimento também aumentou, assim como a área média das explorações agrícolas.
Por outro lado, o número de explorações decresceu, assim como a área de superfície agrícola utilizada no país. Também no emprego, os números caíram. O número de trabalhadores do sector, que era 850 mil à entrada da década de 1990, em 2016, último ano do qual há dados, era bem menos de metade. São 318 mil no total, contabilizando trabalhadores ocasionais e familiares. Para além de ter sido reduzida, há uma tendência de envelhecimento da força de trabalho. Em 1989, 40% dos agricultores tinha 55 ou mais anos, uma percentagem que passa para 56,2% em 2016.
Para Francisco Avillez, estes números correspondem a uma “tendência natural”. Se o aumento da área média está relacionada com a redução do número de pequenas explorações (“as mais difíceis de rentabilizar”), a diminuição do número de trabalhadores no campo é uma “tendência histórica”. Mas aponta que os ganhos de produtividade são feitos à custa do desaparecimento de mão de obra “e não propriamente porque tenhamos passado a ter maior valor acrescentado, que tem estado praticamente estagnado ao longo das últimas décadas”.
Mas, se o principal factor para o desaparecimento das pequenas explorações é a dificuldade em competir, há também novos casos que começam a surgir. O professor do ISA justifica este cenário com o facto de se diferenciarem “pela qualidade, pelo tipo de produto ou pela tecnologia utilizada”, num processo “normal em economias de mercado”.
Fábio Gerardo e Ana Martins são um exemplo disso. E o negócio tem corrido bem? “Sim, felizmente”, responde Fábio. Ana, mais cautelosa, diz que “vai correndo”, tendo em conta que trabalham num sector em que as circunstâncias mudam muito rapidamente.