[Fonte: Diário do Sul] Adaptar as culturas às alterações climáticas através da não mobilização da terra e da melhoria do teor de matéria orgânica do solo com a aplicação de calcário rico em magnésio tem sido o objeto de estudo de Mário Carvalho, investigador do Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM) da Universidade de Évora.
Há mais de três décadas que o professor tem investigado a forma de melhorar a qualidade da própria terra na região, sobretudo na área geográfica do Alentejo Central. São muitos os agricultores que têm o aconselhamento deste investigador, mas há muitos mais que também querem, daí a necessidade de arranjar financiamento para formar técnicos capazes de alargar estas práticas e apoiar as associações de agricultores por todo o território alentejano para que a agricultura possa atingir melhores níveis e assumir-se como fator distintivo.
Mário Carvalho lembra que foi há precisamente 35 anos que começou a dedicar-se à investigação sobre a melhoria da qualidade do solo no Alentejo e com isso sustentar de forma economicamente viável sistemas de produção envolvendo pecuária e agricultura. “São sistemas que estão com grandes dificuldades económicas, em que as contas das culturas são negativas. Os agricultores estão a perder dinheiro porque o solo está empobrecido e dessa forma a produção das culturas é baixa e os gastos com fatores de produção é mais alto”, frisa.
O investigador conta que o seu método de trabalho assenta num trabalho junto dos agricultores no sentido destes aplicarem os princípios e conhecimentos que tem conseguido, levando a que haja grandes melhorias nos resultados da exploração agrícola.
“O princípio básico é que temos que melhorar o teor de matéria orgânica do solo. Como? Não mobilizando o solo porque as perdas que temos resultam da erosão e da perda por mineralização. Portanto, o primeiro passo é deixar de mexer na terra”, explica.
O segundo passo é perceber quais são as limitações que o solo tem para que as culturas produzam melhor e, no caso, dos terrenos dedicados a pastagens existe com frequência no Alentejo um excesso de manganês que faz com que as pastagens produzam muito pouco. “Aplicando calcário rico em magnésio conseguimos aumentar em cinco vezes a produção das pastagens”, continua, adiantando que ocorra igualmente uma produção mais regular.
Estes dois princípios permitem um maior armazenamento de água, permitindo que o solo seja capaz de compensar períodos de ausência de precipitação e “quando chove muito, o solo seja capaz de fornecer nutrientes às plantas, através da matéria orgânica, e dessa forma as plantas cresçam melhor”.
Mário Carvalho salienta que este é “um ciclo virtuoso”, assegurando que ao fim de 20 anos a trabalhar com os agricultores, as produções estão cada vez melhores em função das alterações climáticas. “São vários milhares de hectares que confirmam os resultados da investigação”, frisa, adiantando que há um número crescente de agricultores que estão a interessar-se e a quererem adotar este tipo de práticas agrícolas.
“Regadio não é solução.
É preciso adaptar a nossa agricultura às alterações climáticas”
O investigador sublinha que estes princípios ajudam a combater as alterações climáticas na medida em que “aumentar o teor de matéria orgânica do solo significa retirar CO2 da atmosfera”, mas alerta que mais urgente é adaptar a nossa agricultura às alterações climáticas.
“A política oficial tem sido olhar para o regadio para compensar a falta de chuva. O problema é que mesmo com o investimento feito no Alqueva – e não vamos ter capacidade de fazer outro – o Alentejo não chega a dez por cento da superfície regada. Portanto, se nós quisermos resolver a adaptação às alterações climáticas, através do regadio, significa que 90 por cento da região vai desertificar”, alerta.
Um dos graves problemas que temos é que na generalidade dos nossos solos, quando chove, parte dessa água perde-se por escorrimento, nem sequer chega a infiltrar-se na terra. A este junta-se outro que é o facto de a água que se infiltra nem toda fica retira no solo, havendo uma parte que se perde por drenagem profunda. “Mas se aumentarmos o teor de matéria orgânica consegue-se, simultaneamente, reduzir a que se perde por escorrimento porque a infiltração no solo melhora, mas também a proporção da que fica retira no solo é também maior”, explicita.
De acordo com o docente, tudo isto permite que o solo seja capaz de compensar períodos mais longos de ausência de precipitação e, portanto, as plantas ficam mais confortáveis durante esses períodos.
Os resultados mostram que esta investigação é importante, tendo já obtido várias distinções e prémios internacionais, mas o que falta, atualmente, é a existência de mais técnicos capazes de ajudar mais agricultores. “O que eu gostaria muito era que este trabalho pudesse ser adotado pelo maior número possível de agricultores, mas o que está a faltar é a capacidade de lhes dar apoio técnico, na medida em que enquanto for eu a única pessoa capaz de o fazer, há uma limitação física muito grande”, lamenta.
Face a isto, Mário Carvalho ambiciona arranjar um financiamento para dar formação a técnicos que possam trabalhar junto das associações de agricultores “para que possam ser os agentes desta transformação da agricultura alentejana”.