A investigadora Ana Sá, do Laboratório Colaborativo ForestWISE, defendeu que o fogo “não é sempre mau”, podendo permitir, se for de pequenas dimensões e baixo impacto, a criação de “zonas tampão”, travando a propagação e a intensidades das chamas.
“O fogo não é sempre mau, não é um mau protagonista sempre. Estes incêndios que aconteceram no início do ano têm uma importância muito grande porque aconteceram em ambiente controlado e com impactos, em termos de intensidade, baixos”, defendeu.
O ForestWISE – Laboratório Colaborativo para a Gestão Integrada da Floresta e do Fogo – é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, que tem como missão promover a gestão integrada da floresta e do fogo, com base em atividades de (co)investigação e desenvolvimento, transferência de conhecimento e tecnologias, atuando como aglutinador entre a indústria, a academia e a administração pública.
Ouvida pela agência Lusa, a especialista explica que estes “pequenos fogos de pastoreio” acabam por atuar de uma “forma positiva”, ao funcionar como uma “zona tampão”, impedindo que, no verão, em condições climáticas mais adversas, as chamas atinjam maior intensidade e se alastrem às zonas circundantes.
“Como não vai arder no verão, vamos ter fogos menos intensos, com menos impactos e menos emissões gasosas. Se vamos ter menos de tudo, qual é o problema dos fogos do pastoreio durante a primavera?”, questiona, acrescentando “antes queimar pouco e com pouca intensidade, que queimar muito e com muita intensidade”.
Doutorada em Engenharia Florestal e Gestão dos Recursos Naturais, a especialista defende ainda que a gestão das faixas de combustível deve obedecer a critérios de prioridade para uma gestão mais eficiente do risco.
“Em determinados locais, a gestão das faixas de combustível até pode ser suficiente, precisa é de estar bem localizada. Nem sempre ela está de acordo com as áreas prioritárias”, afirma a especialista ouvida pela Lusa.
Investigadora sénior na Área da Gestão de Risco do ForestWISE, Ana Sá considera que estas intervenções devem ser “escalonadas ao longo do tempo”, contribuindo para uma distribuição de custos e uma intervenção preventiva “mais eficiente”.
“É muito fácil no computador saber que é preciso implementar x hectares de faixa [de gestão de combustíveis] e não sei quantos hectares de manchas [florestais], mas, disto tudo, o que é relevante é saber onde é que é prioritário”, sublinhou, acrescentando que esta equação obriga a um equilíbrio entre o cumprimento das obrigações legais e o financiamento das operações de limpeza, cujos custos são “muito elevados”.
Classificando esta questão como central, defende ainda que só com a integração das associações de produtores florestais e das ZIP [Zona de Intervenção Florestal], entre outros agentes da floresta, é possível atingir a escala necessária para suportar os custos com a limpeza das faixas de combustíveis, num contexto onde apenas 3% dos terrenos florestais é detido por entidades pública e a grande maioria da floresta é privada, detida por pequenos proprietários.
Por outro lado, continua, é necessário acrescentar valor à floresta, privilegiando a gestão à escala da paisagem, numa compatibilização entre a produção florestal de bens privados que remuneram os proprietários, com a disponibilização de serviços do ecossistema que a todos beneficiam.
“Temos valores muito bem definidos para os produtos lenhosos, derivados diretamente da floresta, mas, depois, existem outros serviços que a sua quantificação monetária não existe, mas nós usufruímos deles”, explicou, defendendo que, em matéria de gestão do risco de incêndio, é necessário fazer um esforço de valorização destes ativos, integrando-os na equação custo-benefício.
Reconhecendo que o problema da gestão florestal e dos incêndios “é estrutural e complexo”, a investigadora defende também a criação de “descontinuidades” – faixas de terreno aberto – que permitem, por um lado, a circulação das equipas de combate para uma atuação mais rápida e em segurança, e, por outro, atuam como “tampão”, travando a progressão das chamas.
Ana Sá aponta ainda a silvicultura preventiva e a gestão ativa como fundamentais para a resiliência dos espaços florestais onde a criação de faixas de combustível pode ser, em algumas situações, aproveitada para criar, naqueles territórios, espaços de usos alternativos que possam gerar valor.