A solução, defendem alguns, passa pela construção de uma auto-estrada da água que transportaria as reservas hídricas do norte do país para regar culturas intensivas no Alentejo e o Algarve.
À medida que a escassez de água se evidencia, os antagonismos entre os que defendem a urgente racionalização dos recursos e aqueles que advogam o reforço das áreas agricultáveis alegando que o país tem reservas de água em abundância, intensificam-se. Ficou patente num recente debate realizado em Évora pela Associação para o Desenvolvimento Económico e Social – SEDES, sobre “Uma Estratégia Nacional para a Gestão da Água em Tempos de Escassez”, como está longe o consenso.
Assim, para a associação, o país “não tem um déficit hídrico”, mas um problema de distribuição hídrica que pode ser superado transferindo água de norte para a sul, através de uma “auto-estrada” da água que integraria as bacias hidrográficas do Douro, do Tejo, do Guadiana e do Sado, para transportar “água do Minho para o Algarve”.
Jorge Avelar Froes, dirigente da Associação + Tejo, reforça o argumento da SEDES, recorrendo aos números: a rede hidrográfica nacional, em ano médio, dispõe, sem contar com as afluências de Espanha, de 32.000 milhões de metros cúbicos/ano de águas superficiais e 8000 milhões com origem subterrânea. De Espanha e através dos rios internacionais chegam 16 mil milhões. Os consumos hídricos globais rondam os 4500 milhões de m3/ano, 11% das disponibilidades que Portugal pode utilizar.
“E se fecharem a torneira, em Espanha, nós temos 40 mil milhões para gastar” , assinala Froes, colocando uma questão ao auditório: “Qual é o drama? A água está no Norte e falta no Sul, território onde estão os bons solos e parcelas agrícolas maiores, mas não existe água”. Já a norte, os terrenos são menos aptos para a produção agrícola, com parcelas mais pequenas, “mas tem água em abundância”. Cerca de 900 milhões é quanto custa o transvase para colocar a água no Algarve a 20 cêntimos o metro cúbico, conclui o dirigente da Associação + Tejo.
Uma guerra da água
Apesar deste quadro que destaca a abundância de recursos hídricos, Joaquim Poças Martins, especialista em gestão da água, não concorda com o transvase de água. Aconselha os promotores da ideia a fazerem contas aos custos que estariam implicados. “Em primeiro lugar, não há água suficiente a norte para mandar para o sul”. Mas se um tal projecto viesse a concretizar-se, a água “chegaria aos campos do Alentejo e do Algarve a 50 cêntimos o metro cúbico, um valor que iria competir com o praticado em Alqueva, que está a ser vendida a três cêntimos por metros cúbicos”.
Além disso, a solução preconizada pelos adeptos do transvase seria um “desastre do ponto de vista ambiental, e um desastre do ponto de vista social, pois teríamos uma guerra da água”. Poças Martins considera que, nos dias de hoje, avançar com um projecto desta natureza seria um “disparate”, frisando que “não queria estar na pele de quem tomasse uma tal decisão” baseada numa ideia que foi avançada, pela primeira vez, nos anos 50 do século passado.
Para este investigador o problema é outro: neste momento “a agricultura paga pela água que consome, cerca de 1,5 milhões de euros que corresponde a 425 milhões de metros cúbicos de água” quando a agricultura consome 4 mil milhões de metros cúbicos por ano. “Quem é que paga o resto?”, pergunta, realçando o que considera uma inevitabilidade. “Vamos ter de nos adaptar a um valor diferente da água”.
Em Portugal, ao contrário de Espanha, “a água privada não é paga e faz toda a diferença”. E com a progressiva escassez de recursos, aliada à estimativa de perdas de água na agricultura que supera os 35%, “os agricultores precisam de pagar mais pela água para haver água” defende Poças Martins.
Cada vez mais escassez
Com efeito, em muitas regiões do país (mesmo em ano médio), avolumam-se as dificuldades “em suprir as necessidades” crescentes de recursos hídricos. Os constantes e cada vez mais prolongados ciclos de seca impedem a reposição dos níveis das albufeiras e das águas subterrâneas, e as situações […]