O Alto Douro Vinhateiro parece andar nas bocas do mundo e é fácil esquecer que nem sempre foi assim. Mas não falta ambição: “Queremos vender o Douro como capital europeia do enoturismo”.
Nos últimos anos, não faltaram menções ao Douro por parte da imprensa e entidades internacionais: da distinção como “destino turístico de excelência”, parte de uma rede mundial de excelência elaborada pelo Centro Mundial de Excelência dos Destinos (CED) e reconhecida pela Organização Mundial de Turismo (OMT), aos vários galardões acumulados nos prémios Best of Wine Tourism; da inclusão em vários tops à laia de “os melhores” em várias publicações internacionais — da National Geographic, que o distinguiu como um dos melhores destinos de turismo sustentável do mundo, ao Huffington Post, que o considerou o “melhor itinerário fluvial da Europa”, sem esquecer a classificação como “melhor estrada do mundo para conduzir” (a N222, entre a Régua e o Pinhão, a “porta de entrada” no “coração” da região), para a Avis e, já este ano, como um dos destinos enológicos a não perder da revista Forbes.
O Alto Douro Vinhateiro parece andar na boca do mundo, e é fácil esquecer que nem sempre foi assim — na verdade, apesar de ser a mais antiga região vitícola demarcada e regulamentada do mundo, manteve-se na penumbra até recentemente. Afinal, até aquele que foi durante séculos o seu produto icónico, reconhecido em todo o mundo, leva outro nome: mas já não é necessário explicar aos turistas que o Vinho do Porto é, afinal, um produto do vale do Douro, da Região Demarcada do Douro, do Alto Douro Vinhateiro (tudo parece misturar-se). E tudo terá mudado com a inscrição na UNESCO do Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial na categoria de “Paisagem Cultural Evolutiva e Viva”, cujo efeito se fez sentir por toda a região, e não apenas na área classificada.
A “visibilidade” e “notoriedade” dessa distinção parece estar a obrigar o Douro a perder a sua discrição natural e, nesse processo, está a ganhar terreno nas rotas turísticas mundiais. E a ambição é muita: “Queremos vender o Douro como capital europeia do enoturismo”, afirma o presidente do Turismo do Porto e Norte (TPN), Luís Pedro Martins. “Mas como se levanta isto?”, reflecte. “Com o património mundial da humanidade, excelentes infra-estruturas e hospitalidade ímpar.” E o tanto que o Douro andou para aqui chegar — e o tanto que tem para andar.
“Há 20 anos, o turismo no Douro era residual”, recorda André Meneses, da direcção da Liga de Amigos do Douro Património Mundial (LADPM) — uma memória partilhada por vários que conhecem a região. Desde logo, Gaspar Martins Pereira, um dos coordenadores da candidatura do Douro a património mundial, que fala “da subida exponencial de turismo” na região nos últimos anos, apontando “os indicadores espectaculares” e exemplificando com “a multiplicação da oferta de restauração e hotelaria, que praticamente não tinha expressão” — “não era necessário, não havia turismo”. Quem circulava pelo Douro fazia-o sobretudo a trabalho, havia muito pouca oferta e a que havia não era turística, recorda quem lhe conhecia as manhas. “As quintas do Douro não estavam “abertas” aos turistas para as visitarem, as unidades hoteleiras eram escassas e estavam concentradas apenas nas sedes dos maiores concelhos da região e não havia procura turística”, resume André Meneses.
O Douro pode ser, como escreveu Miguel Torga, “um poema geológico”, mas essa sua natureza não é fácil para o turismo. Durante séculos, o Douro foi visto “apenas” como uma região agrícola, de produção de vinhos — isolada, um puzzle montanhoso encravado no interior de Portugal, de difícil acesso e de difícil circulação.
Nas últimas décadas do século XX, porém, o isolamento começou a ser quebrado — o Douro tornou-se navegável, construíram-se auto-estradas, os comboios (e esta é uma questão à parte) faziam o seu lento percurso até Barca d’Alva. Continuava, contudo, a ser uma presença secundária nos roteiros turísticos, ainda que aí tenha sido criada a primeira rota enoturística do país, a do Vinho do Porto (ao mesmo tempo que os vinho de mesa do Douro começavam a conquistar espaço); ainda que os barcos já subissem o rio com visitantes; ainda que as excursões para ver as amendoeiras em flor fossem uma tradição.
Não há muitas estatísticas da época e as que perduram podem já estar descontextualizadas no meio de muitas reformas administrativas regionais e mudanças metodológicas, mas dados do INE registavam o principal indicador turístico da região, o número de alojamentos, em 1999: um total de 2157 camas, para 59 estabelecimentos, divididas entre sete hotéis, 20 pensões e 32 “estabelecimentos de hotelaria tradicional”. No início do século XXI, poucos se atreveriam a falar de turismo no Douro.
Em Dezembro de 2001, a inscrição, pela UNESCO, como Património Mundial veio alterar o panorama: por um lado, virando os holofotes para esta região no interior de Portugal, dando-a a conhecer ao mundo; por outro, abrindo novos horizontes a quem lá estava e obrigando o poder central a olhar de outra forma para o território — o turismo passou a intrometer-se nas decisões de actores locais e nacionais, públicos e privados. Luís Pedro Martins não hesita em apontá-la como um ponto de viragem na “notoriedade do destino”. André Meneses assegura que a inclusão da região na lista de património mundial “ajudou ao seu posicionamento diferenciador no contexto nacional e internacional, permitindo um salto qualitativo e quantitativo ao nível da oferta e da procura turística”.
Não foi, contudo, automático — afinal, como refere Gaspar Martins Pereira, a “classificação não é uma varinha de condão. Tem de ser aproveitada pelos diferentes agentes”. Ana Carvalho estava a estudar Turismo na Universidade de Trás-os–Montes e Alto Douro (UTAD) nos anos subsequentes à inscrição como património mundial. Os professores “falavam da grande oportunidade UNESCO”, e ela saiu da universidade “cheia de projectos”. Era 2004 e ela percebeu que “não havia mentalidade de turismo no Douro”: existiam os cruzeiros a, “timidamente”, trazer visitantes, e eram “pouquíssimas” as quintas abertas ao turismo. Colocou o turismo de lado até 2012, quando começou a montar o que seria a Douro Exclusive (dedicada a experiências enoturísticas e, mais recentemente, ao alojamento e restauração), e, mesmo assim, percebeu que em 10 anos pouco havia mudado. “Havia mais quintas abertas”, concede, “mas o alojamento estava praticamente igual”. “Demorou muito tempo a conseguirmos dar o salto”, reflecte, “e creio que é o posicionamento do Porto que começa a chamar […]