O disruptivo produtor de vinho (e chá) fala da decisão de passar a direcção de enologia ao filho Daniel, dos investimentos no Alentejo, nos Vinhos Verdes e nos Açores e de ‘engarrafar’ em bag-in-box.
O que o move por estes tempos? O que é que anda a fazer o Dirk Niepoort — nos vinhos, evidentemente —, depois de ter passado a direcção de enologia da empresa ao seu filho?
Passei efectivamente ao Daniel a parte técnica, ou seja, já não estou quase nada envolvido na feitura dos vinhos, excepto brincadeiras e experiências, nomeadamente Portalegre e pequenas aventuras que a gente anda aí a fazer paralelamente. De resto, continuo a fazer as minhas coisas esquisitas. Estou muito empenhado em fazer um Kombucha com a minha mulher [Nina Gruntkowski, com quem tem o projecto Chá Camélia]. E estou a trabalhar no projecto de um vinho que não é vinho, ou seja, não é feito com uvas, é feito com chá mas parece um Riesling [a mais nobre das castas alemãs, hoje espalhada pelo mundo]. E não tem álcool.
Vamos por partes: o que é Portalegre?
Portalegre é uma zona muito diferente do Alentejo clássico, que é plano, quente, seco. É zona de montanha. E com a Adega Cooperativa de Portalegre estamos a fazer umas brincadeiras. Em breve vamos engarrafar os primeiros vinhos, feitos já por nós, com o Miguel Sistelo [enólogo residente da adega] e com a família do Licor Beirão. Tudo indica que estamos no bom caminho.
Esse projecto segue a lógica de outras parcerias, é uma parceria como a que tem com a Barbeito e outros produtores. Ou é diferente? É uma sociedade? É o quê?
É um bocado diferente. Nós temos um contrato para poder comprar uma grande parte do projecto e sermos sócios maioritários e daqui a um ou dois anos vamos ter que decidir se queremos ou não queremos [fazê-lo]. De maneira que não é só uma parceria, é um bocadinho mais do que isso.
Ia perguntar-lhe se passava pela estratégia da Niepoort ir para outras regiões, já percebi que pelo menos o Alentejo está em cima da mesa.
O Alentejo e o Vinho Verde. Nós temos uma empresa com o Anselmo Mendes e estamos a fazer vários projectos. A nossa aposta principal é o amor que tanto o Anselmo como eu temos pela casta Loureiro. Ele plantou muito Loureiro e tem adega e eu plantei um bocadinho e não temos nem queremos construir adega. Juntamo-nos para comercializar e fazer algumas brincadeiras em conjunto.
Eu lembro-me de me mostrar uma lata de Loureiro que andava a passear, entre aspas, no seu carro e que já devia ter um ano ou mais. Isso deu ou está para dar alguma coisa?
Não, isso está em standby, porque há uma coisa que falta, é o chamado tempo. É um projecto embrionário, à espera de ver se fazemos ou não fazemos. Mas já estamos a engarrafar um Loureiro e Alvarinho e fizemos dois Loureiros muito sérios que já estão engarrafados e que vamos lançar em breve. O projecto com o Anselmo está a andar, o projecto da lata é que está um bocadinho parado.
E quer num caso, quer noutro, Vinhos Verdes e Portalegre, não passa por ter vinhas ou, no caso de Portalegre, quando fala numa opção de comprar o projecto fala de comprar terreno?
Também é terreno. É uma opção de comprar também parte de vinhas e armazéns. Não é assim tanto como isso, mas curiosamente a vinha que nós iremos comprar ou em que vamos ser sócios é a parte que menos me interessa. Eu gosto é das minhas velhas dos sócios da adega. A minha lógica não é muito lógica.
Esta parte continuará a ser parceria, imagino. Não vão comprar vinhas velhas.
Eventualmente compraremos, mas devagarinho.
Voltando atrás, quando e porquê tomou a decisão de se afastar da direcção técnica, da enologia, da Niepoort?
Antes de o meu filho entrar, eu achei que a empresa tinha que estar bem gerida e bem organizada. E depois veio o covid. Decidi fechar a empresa na vindima [de 2020]. Começaram todos a rir-se e a dizer: se tu estiveres lá, as pessoas vão aparecer e tu vais ser o primeiro a convidá-las. Fiquei um bocado irritado. E, de repente, vi-me sentado no carro e em vez de ir para o Douro fui para Barcelona. Tenho lá uns amigos e antigamente eu ia lá passar uns dias, só que a vindima foi acontecendo cada vez mais cedo e eu já não conseguia ir. Fui-me embora e passei a pasta, assim de um dia para o outro, quando o que eu tinha previsto era fazê-lo daqui a dois, três, quatro anos. Hoje olhando para trás acho que fiz bem. Foi um bocadinho audaz e arriscado, talvez, mas eu tenho uma maneira de educar os meus filhos um bocadinho sui generis. Sou um bocado duro, mas a verdade é que tenho uns filhos fantásticos que estão no bom caminho.
Esse arrumar da casa era, é, também o arrumar de um portfólio que é muito grande, tem vinhos tão diferentes…
Eu tenho consciência que nós temos vinhos a mais e nem vale a pena perguntar quantos, porque eu não sei nem quero saber. Faz parte do nosso ADN. Até quando contratamos o Kaizen para nos ajudar a reorganizar a empresa, a minha lógica foi: não toquem nesse aspecto, não tentem melhorar esse lado, porque não vai acontecer. Temos é de nos organizar como uma distribuidora: não para vender 100 vinhos, mas sim 10 mil vinhos.
Por curiosidade, quando é que foram buscar essa filosofia, essa ajuda do Kaizen?
Já foi há uns cinco anos. Foi um projecto que teve muitas pessoas contra, mas no fim toda a gente concordou. Foi muito positivo porque conseguimos criar espaços e procedimentos que eram impossíveis de imaginar. Na altura, a minha irmã ainda estava a trabalhar comigo e ela ficou muito admirada porque o sistema de implementação de secos que acabam é exactamente aquilo que nós fazíamos com cartõezinhos e papéis. E a minha irmã perguntou: então para que é que temos computadores? Porque é que não fazemos tudo informatizado? Porque este é o melhor sistema, é um cartãozinho, chegas ali, pegas no cartão e a outra pessoa sabe que tem que comprar […]