Nas últimas semanas escrevemos sobre a atuação da GNR na área alimentar. Naturalmente, que nada temos contra esta força de segurança militarizada, contudo, vivendo num estado de direito, teremos todos, e não apenas os comuns cidadãos, de cumprir a lei em vigor. Por esta razão, ao percebermos que a GNR estaria a ir mais longe do que as suas competências, não poderíamos ficar calados, pois não existem pessoas e/ou entidades acima da lei.
Em regra, o comum cidadão e mesmo as empresas no geral, não têm por hábito insurgirem- se contra as decisões das autoridades, é o que chamamos vulgarmente de: “comer e calar!” Quando recebemos o auto com o valor da coima, nem pestanejamos, pagamos e pronto! Somos um povo muito passivo, e tal deve-se normalmente ao facto de acreditarmos na boa-fé do Estado e das autoridades!
Ora, as autoridades não são edifícios, são organizações constituídas por pessoas! E estas, também falham, e não são providas sempre da razão!
Fui aprendendo ao longos destes quase 56 anos, que vale a pena questionarmo-nos sobre as determinações das autoridades e não dar tudo como certo!
A GNR, é constituída por pessoas que tal como cada um de nós, fazem a sua própria interpretação da lei, fazem o seu juízo de valor!
Nem direi que é por iniquidade, mas apenas porque a pouca experiência de vida social/económica, os funcionários públicos no geral vivem contextos diferentes, nomeadamente não precisam de lutar para receberem o vencimento (surge pacificamente na conta ao dia 23 de cada mês), faz com que não consigam ver mais longe!
Faço aqui um parêntesis, pois existem funcionários públicos que merecem todo o ar que respiram, gente com bom senso, e a esses, fica a nossa homenagem, lamentando que sejam tão poucos!
Voltando à GNR, a APIC, assim que soube das suas ações de estrada, solicitou uma reunião no Comando Geral, a qual se realizou no dia 29 de maio de 2023.
Nesta reunião, fomos totalmente surpreendidos com a posição da direção da GNR, pois, de acordo com o que nos transmitiram, sendo um órgão de polícia criminal, poderiam fiscalizar todas as matérias que entenderem, ainda que não sejam atribuições estipuladas na sua lei orgânica.
Surpreendida, a APIC questionou, se não se preocupavam em gerir adequadamente os recursos do estado, se não deveriam proteger o erário publico.
Ainda, sublinhou a APIC que, não tendo a GNR, efetivos suficientes, se faria sentido dispersarem-se em matérias para as quais não estão preparados tecnicamente, originado processos que irão consumir tempo e dinheiro à ASAE e à DGAV, já que são estas entidades que têm de instruir os respetivos processos.
A GNR, respondeu simplesmente, que os seus agentes podem ser o primeiro olhar e que depois a ASAE e a DGAV, decidirão se o auto tem ou não “pernas para andar!” Continuando o espanto, descobre a APIC que a GNR não conhece os conteúdos dos autos que recebem, para eles interessa sim, números. Números de autos! Não interessa se os autos estão bem lavrados, se os seus agentes estão a fazer um bom trabalho! Se não têm conflito de interesses, se fazem controlos coerentes e adequados. Isso não interessa!
Ficámos estarrecidos!
Como podem, os dirigentes superiores, não se preocupar em saber se as ações dos seus agentes são adequadas e se respeitam a lei. Não nos passaria pela cabeça, que a GNR não auditasse a atividade dos seus agentes!
A APIC foi mais longe e ainda questionou se conheciam o regulamento 2017/625, se sabiam que tinham de cumprir o seu artigo 5.º, para poderem ser designados como autoridade competente na área alimentar.
A resposta foi perentória! Não conhecem e nem precisam de cumprir!
Acrescentaram que apenas a DGAV poderia responder a esta questão, sendo o elemento de ligação português com a comissão europeia para elaboração do plano plurianual de controlo oficial para área alimentar!
A APIC assim fez, questionou a DGAV, a qual veio dar razão à APIC, isto é,
a GNR não tem competência para efetuar controlo oficial nas matérias alimentares. Eis, abaixo a transcrição da resposta da DGAV à pergunta da APIC.
…”Exma. Senhora Dra. Graça Mariano, Diretora executiva da APIC
Em resposta ao solicitado, temos a informar que:
- A Guarda Nacional Republicana (GNR) não é designada como Autoridade Competente no âmbito do Regulamento (UE) 2017/625, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2017, e, consequentemente, não está reconhecida como tal no Plano Nacional de Controlo Plurianual (PNCP).
- Por conseguinte, confirmamos o seu entendimento de que a GNR não detém competências no controlo oficial enquanto Autoridade Competente, nomeadamente em matéria de Higiene Alimentar para efeitos do cumprimento do Regulamento (CE) n.º 852/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, e do Regulamento (CE) n.º 854/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004 (a este respeito, alertamos que este Regulamento foi revogado pelo Regulamento (UE) 2017/625 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março de 2017).
- c) ……………….
- d) ……………
Na expetativa de ter esclarecido a questão colocada, ficamos naturalmente disponíveis para qualquer esclarecimento que entenda necessário….”
Perante esta resposta apetece relembrar a exclamação que o saudoso Fernando Pessa proferia, no final das suas reportagens televisivas:
E esta hein?
Fonte: APIC