Um grupo de organizações e movimentos cívicos exigiram hoje transparência e uma participação pública efetiva no processo de criação da nova estratégia nacional para o regadio, numa carta aberta dirigida à ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes.
Os mais de 20 signatários da carta consideram que a nova estratégia para o regadio 2030 vai definir o investimento público e as políticas que determinam o uso de mais de 70% das captações de água do país, bem como novos armazenamentos e captações, defendendo que o processo deve ser transparente e democrático, tendo em conta “a defesa da água enquanto bem comum”.
Em comunicado, as associações e movimentos criticaram o ministério da Agricultura e da Alimentação por ter apenas aberto a 23 de maio, através de ‘email’, um processo de contribuições do público para a definição da nova estratégia, quando os objetivos gerais “já estão definidos” e sem terem sido alvo de “escrutínio” público.
Estes objetivos incluem a construção de novos regadios de grande dimensão, o reforço nas disponibilidades de água e a monitorização e o aumento de perímetros de rega, que vão ser definidos, segundo os signatários, “pelos próprios agentes que os propuseram e que irão beneficiar diretamente desse investimento público”.
“Alega-se que assim estão criadas condições para a construção participada de uma Estratégia para o Regadio 2030, mas entendemos que assim não existe participação pública efetiva e consequente”, lê-se na nota.
A participação da sociedade não pode ser “um mero proforma” nem a política da água pode ser definida por “um grupo restrito de atores, ficando a restante sociedade sujeita às consequências destas políticas”, justificaram.
“Os últimos 20 anos testemunharam um avultado investimento público, na ordem dos milhares de milhões de euros. Este investimento criou infraestruturas para uma tipologia de regadio – coletivo e de iniciativa estatal – e subsidiou ativamente um modelo de intensificação agrícola assente em monoculturas em grande escala, orientadas para a exportação”, apontaram os subscritores na carta dirigida à ministra.
Este modelo causou uma transformação dos territórios, dentro e fora dos perímetros de rega, e deve ser submetido a “uma avaliação alargada dos seus impactos”, como o desordenamento do território, a degradação da rede hidrográfica, a perda de biodiversidade, a exploração laboral ou a concentração do uso do solo e da água, exemplificaram.
“Sem uma avaliação multidimensional do que foram os resultados e os impactos do programa nacional de regadios aplicado no decorrer das últimas décadas é impossível ter as bases para uma nova estratégia que seja minimamente alicerçada na realidade. A definição da política da água tem de envolver toda a sociedade”, argumentaram.
O grupo lamentou que o estudo apontado pelo Governo como orientador para a nova estratégia tenha sido coordenado pela entidade gestora do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, com a colaboração de uma dezena de entidades, “sobretudo ligadas ao setor agrícola e ao regadio em particular”, que são, consideram, “os principais beneficiários” daquelas políticas.
“É essencial um envolvimento imediato e consequente, através de processos de base territorial, cruciais nos territórios suscetíveis à desertificação e à seca”, defenderam, propondo o envolvimento das organizações e movimentos da sociedade civil nas áreas social, ambiental e do desenvolvimento local para “melhorar o modelo de governança da água” e “reconhecer e enfrentar os desafios atuais e futuros” nesta área.
Assinaram a carta enviada a Maria do Céu Antunes a Alentejo com Vida, a Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve (Almargem), a Associação Sistema Terrestre Sustentável (ZERO), a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local (ANIMAR), a Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF (World Wide Fund for Nature, em inglês), a Associação Ambiental Amigos das Fortes, a Associação Ecotopia Activa, a Associação Vegetariana Portuguesa e o Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA).
Completam o grupo de signatários Juntos Pelo Sudoeste, Liga para a Proteção da Natureza (LPN), Movimento Alentejo Vivo, Movimento pelas Águas e Serras, Movimento Protejo, MUNDA – Movimento em defesa do rio Mondego, Palombar, Plataforma Água Sustentável, Project Earth – Art Ecology and Community, Solidariedade Imigrante (SOLIM) – Associação de Defesa dos Direitos dos Imigrantes, SOS Rio Mira, SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia, TAMERA – Centro de Investigação e Educação para a Paz e Zero Wast Lab.