Há pelo menos três ilações que o ministro da Administração Interna gostava que fossem reconhecidas: que o país tem hoje maior conhecimento das ameaças e da resposta a dar; que existe maior coordenação entre todas as entidades envolvidas no combate aos fogos; e que estão à disposição mais meios humanos, materiais e mais investimento.
O também ministro das polícias explica que a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiros (SEF) vai ser diluída até, pelo menos, outubro de 2025, e acredita que a nova divisão de funções vai ao encontro de uma “europeização” das forças de segurança. Quanto à sucessão de António Costa no PS, José Luís Carneiro não diz se é um dos candidatos, mas entende que há já “pelo menos duas” gerações de socialistas preparados para a sucessão, sempre e só quando António Costa quiser sair.
Esta semana, o primeiro-ministro disse que o fogo é um risco que não vai desaparecer. O senhor ministro já tinha alertado para um verão muito difícil. O que o vai fazer para mitigar esse risco este ano?
Estamos a viver o confronto com realidades muito complexas e muito exigentes por força das alterações climáticas. Aquilo que foi feito no quadro quer da aprendizagem relativa a 2022, com a adoção da metodologia das lições aprendidas, quer também no que respeita às recomendações dos peritos que procurámos ouvir no decurso desses incêndios, foi de trabalharmos em duas importantes frentes. Por um lado, na frente europeia, associando-nos àqueles que entenderam sensibilizar a Comissão Europeia para a importância de podermos reforçar os meios humanos, terrestres e aéreos, bem como antecipar esses meios e aplicar a metodologia que já tinha sido desenvolvida na Grécia, nomeadamente do pré-posicionamento dos meios aéreos, e estes três objetivos foram alcançados, todos eles
E o plano nacional?
No plano nacional, logo em outubro, arrancámos para um contacto direto e personalizado com os autarcas, com as associações humanitárias, tendo em vista mobilizá-los para objetivos comuns. O primeiro objetivo é o de garantir que os municípios têm os seus planos de defesa da floresta contra incêndios atualizados e aprovados, bem como os seus planos municipais de proteção civil. Porque é nesses planos municipais que estão avaliadas as ameaças e riscos e diagnosticados os meios públicos e privados mobilizáveis para circunstâncias que sejam excecionais. E o que procuramos transmitir – em sessões em que estive eu, esteve o ministro do Ambiente, a ministra da Agricultura e a ministra da Coesão – é sensibilizar estes atores que estão no primeiro e mais importante patamar de responsabilidade da proteção civil para a complexidade dos desafios que teremos que enfrentar, não apenas nos incêndios florestais, mas também nos riscos naturais, como ocorreu, por exemplo, no outono, com as chuvas que criaram ameaças e riscos elevados, nomeadamente nos grandes centros metropolitanos do país. Esta mobilização das forças locais tem que ver com um objetivo muito concreto, que é o de dar conta de que 90% das ocorrências têm uma origem local e têm solução local. Portanto, somente 10% das ameaças e dos riscos ultrapassam o nível municipal para o nível intermunicipal, ou então para os níveis regional ou o nível nacional. No que respeita aos riscos dos incêndios florestais, como disse o primeiro-ministro, são uma inevitabilidade. Temos de saber é capacitarmo-nos como Estado e sociedade para enfrentarmos, nomeadamente, aqueles que são considerados os incêndios extremos. e que são os que têm momentos que, pela sua intensidade e projeção de risco, tornam impossível a atuação dos meios humanos, dos meios terrestres ou dos próprios meios aéreos.
Como recentemente no Canadá?
O Canadá é um dos exemplos que está, neste momento, a ter a cooperação internacional. Vários países do mundo conjugaram esforços para apoiar o Canadá, mas daria um bom exemplo também, um exemplo bastante pleno dessa realidade. Há cerca de dois meses, em Espanha, como se recordam, foram evacuadas duas mil pessoas, algumas delas de um comboio que estava em circulação, e o que aconteceu foi que, pese embora haver meios humanos terrestres e aéreos, não havia condições para que pudessem operar em segurança. É desses cenários extremos que estamos a falar e para os quais todos os recursos e capacidades serão sempre exíguos e, por isso, temos de trabalhar muito no domínio da prevenção estrutural e das atitudes e comportamentos individuais e comunitários.
É por isso que fala numa alteração de paradigma e numa visão estratégica de médio e longo prazo, e diz que já tem produzido ganhos significativos? De que forma e quais?
Há 50 anos em torno dos aglomerados habitacionais havia faixas de produção agrícola que eram ou rendimento complementar ou rendimento de subsistência para as populações que viviam em torno desses aglomerados. E essas faixas de produção agroalimentar eram as primeiras e mais importantes faixas de segurança para quem vivia nesses aglomerados. Por força das transformações demográficas, das transformações sociais e económicas da própria base produtiva do país, essas faixas outrora de produção agroalimentar foram abandonadas. O que é que subsiste nessas faixas? Fundamentalmente matos e florestas que se aproximaram dos aglomerados e das bases populacionais. Daí que haja hoje um trabalho mais estrutural que está a ser desenvolvido, que demora uma, duas gerações a produzir resultados.
Mas os fogos acontecem todos os anos e várias vezes ao ano…
Isso mesmo. E por isso temos de ter medidas de médio e de longo prazo e temos de ter medidas mais imediatas. Nas medidas de médio e de longo prazo, como foi dito há dias na conferência promovida pela AGIF, é relevante duas coisas. Uma tem que ver com o ordenamento do território e a organização da propriedade e a garantia, se quisermos, do uso social, económico e ambiental dos recursos agrícolas e florestais. Por outro lado, procurar garantir que o uso do fogo, que aliás tem vindo a ser um tópico bastante sublinhado por vários especialistas, seja feito em condições adequadas e nos tempos oportunos, funcionando também como instrumento de gestão dos próprios ecossistemas. No que respeita à dimensão mais imediata, que é a dimensão do combate ou da prevenção imediata, aí temos, digamos assim, duas frentes de trabalho. Uma frente que tem a ver com a criação de faixas de interrupção de combustível, que é um trabalho desenvolvido pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas com os sapadores florestais e, portanto, responsabilidade do Ministério do Ambiente. E depois há aquelas que são as chamadas limpezas preventivas e de segurança, que são realizadas quer pelos proprietários particulares, quer pelos proprietários do domínio público, autarquias, municípios e freguesias. E há um trabalho concomitante, realizado num período que vai de janeiro até maio, pela Guarda Nacional Republicana, que é um trabalho de informação, de sensibilização, de fiscalização e depois de notificação para aqueles que incumpram com os deveres da criação das faixas de segurança em torno dos aglomerados populacionais, em torno das próprias habitações, tendo como primeira prioridade do sistema a proteção de pessoas e a proteção dos seus bens.
Já disse que, para além do combate direto às chamas, a prioridade tem de ser a proteção das pessoas. O que é que está a ser feito nesse sentido, junto das populações?
Bom, no imediato, embora lembre que as dimensões estruturais são aquelas que mais podem proteger as pessoas no futuro, mas há aqui dois instrumentos que podemos visitar neste decurso e nesta ida aos locais por parte do primeiro-ministro, que foi visitar as chamadas áreas integradas de gestão da paisagem. São áreas integradas que procuram precisamente reconstituir esses espaços de produção agroflorestal e visitámos também os chamados mosaicos de paisagem, que são já experiências relativamente consolidadas de substituição da camada vegetal por manto vegetal mais resiliente aos incêndios. Ou seja, procurando substituir o manto vegetal mais propenso a arder por manto vegetal mais resiliente. Sabe-se que, por exemplo, o sobreiro é mais resiliente ao fogo, o carvalho, o castanheiro, ou seja, há um conjunto de espécies que são mais resilientes.
Está a sensibilizar as populações para optar por essa vegetação?
Tem a ver com sensibilização das populações para alguns objetivos. Um, para o registo da propriedade e por isso se criou o BUPI, que é um mecanismo de registo automático com o apoio das autarquias de freguesia e dos técnicos municipais de proteção civil e íamos já em um milhão e trezentos mil registos nesse BUPI. Feito o registo, estimular e apoiar o associativismo de produtores agroflorestais, na medida em que a propriedade se pode manter nos seus proprietários, mas a gestão pode ser comum e ter um significado de ganhos para aqueles que se associam para a gestão integrada da floresta e da produção agroflorestal. A outra dimensão tem a ver com a criação dos denominados aglomerados, que servem para proteger as populações, preparados com oficiais de ligação, as chamadas aldeias seguras, o projeto Aldeias Seguras, Pessoas Seguras. Temos neste momento no país mais de 2300 aglomerados. Destes 2300 aglomerados temos já mais de 2100 oficiais de ligação. São pessoas de grande respeitabilidade local e que conhecem os que vivem e aqueles que não vivendo, mas que têm as suas habitações em muitos destes territórios das freguesias consideradas de risco, ou não sendo de risco, mas que são conexas territorialmente às freguesias de risco, o que permite desenvolver planos de evacuação dos cidadãos que vivam nesses territórios, ou então também proteger aqueles que não vivendo e em circunstâncias de maior crise querem por vezes deslocar-se para esses territórios para protegerem os seus próprios familiares.
Estes dois projetos de que está a falar, portanto Aldeia Segura e Floresta Segura, são os que envolvem as freguesias, GNR, etc. Envolvem também drones?
Os drones são um meio complementar em casos de necessidade de evacuação, mas fundamentalmente envolvem vários atores, forças e serviços integrados na proteção civil. Desde logo as câmaras municipais e as juntas de freguesia, nomeadamente tendo por coordenação e por coordenador os técnicos municipais de proteção civil. Tem depois também, na articulação com estes esforços, o ICNF, o Instituto para a Conservação da Natureza das Florestas, tem também o INEM, o Instituto Nacional de Emergência Médica, tem a Guarda Nacional Republicana, que é quem garante que as deslocações e que a evacuação das populações pode ocorrer em condições de segurança, quer quando é necessário extrair as populações de um determinado aglomerado, quer depois no transporte e mesmo no corte de vias. E, portanto, há um conjunto de forças e de serviços conjugados nestes projetos comunitários de proteção de pessoas e de proteção de seus bens, que depois têm a supervisão da Autoridade Nacional de Emergência de Proteção Civil. E claro que entre estes atores estão os bombeiros, profissionais e voluntários, quer os bombeiros que com natureza mista, com dimensão municipal e de voluntariado.
Ainda assim, com tantas instituições envolvidas nestes projetos, por que razão é que as populações se dizem abandonadas?
Ouvindo todos os atores que desde 2017 têm vindo a trabalhar na melhoria e na capacitação do sistema de proteção civil, há três ilações que todos reconhecem como ilações que merecem amplo consenso. Por um lado, o facto de o sistema ter mais conhecimento, ou seja, há mais conhecimento não apenas na antevisão das ameaças e dos riscos, mas também depois na forma como se enfrentam essas ameaças e esses riscos. Em segundo lugar, há também maior coordenação, maior coordenação entre os atores que intervêm em todo o sistema de proteção civil e há mais meios, mais meios humanos, mais meios materiais e mais meios financeiros.
Portanto, nada pode falhar este ano, com mais meios, mais coordenação, é isso está a querer dizer?
É o seguinte, no ano que passou foi possível recolher como recomendação um conjunto de 12 melhorias que introduzimos no sistema para 2023. Não as identificando todas, são muitas, são múltiplas, não cabem nesta entrevista, mas gostaria de destacar duas ou três e que resultaram do processo de lições aprendidas.
Quais são esses exemplos?
Um dos exemplos foi a constituição de equipas de competências multidisciplinares nos comandos regionais, por forma a que, quando é necessário e perante a complexidade dos incêndios, seja possível que esta equipa multidisciplinar dê um input de conhecimento para quem está no comando operacional tático em cima das circunstâncias. Isto ocorre porque temos uma grande eficácia, uma eficácia que anda na ordem dos 90% em termos de resposta do sistema de proteção civil, o que significa que em 90% dos incêndios nós conseguimos demovê-los se até aos 90 minutos. Mas há 10% que ultrapassam os 90 minutos e que se transformam em grandes incêndios. E é aqui que então entra a complexidade, que tem de exigir conhecimentos diversos, ligados à meteorologia, ligados aos movimentos, aos fluxos dos ventos, ligados aos movimentos do fogo, ligados ao conhecimento da própria floresta e do território. E, portanto, esta é uma das mudanças feitas no sistema. Uma segunda mudança, tem de ver, aliás, com uma das aprendizagens da serra da Estrela, que nos diz que houve momentos das operações em que não era possível mobilizar os meios, nomeadamente para a frente florestal, porque os meios, em primeira prioridade, como foi dito, estão na proteção das pessoas e dos aglomerados populacionais. Mas o que, por vezes, cria esse sentimento é de que se vê ao longe o incêndio a avançar na floresta e não há capacidade de resposta nesse avanço que está a ocorrer nos matos ou na floresta.
Então, o que é que se pode fazer para que as populações não se sintam abandonadas?
O que se fez para este sistema deste ano foi criar também maiores capacidades, já existia, mas reforçar as […]