Por: Elsa Lamy(1), María Pérez Jiménez(1), Fernando Capela e Silva(1,2)
1. MED – Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente & CHANGE – Instituto para as Alterações Globais e Sustentabilidade, Pólo da Mitra, Universidade de Évora, Évora, Portugal (EL: ecsl@uevora.pt; MP J: maria.jimenez@uevora.pt)
2. Departamento de Ciências Médicas e da Saúde, Escola de Saúde e Desenvolvimento Humano, Universidade de Évora, Évora, Portugal (fcs@uevora.pt)
Nunca vivemos até tão tarde, como nos dias de hoje. A esperança média de vida, nos países da Europa varia entre os 72 e os 83 anos, sendo de 81 em Portugal. O segredo da longevidade sempre atraiu grande interesse. Desde relatos ficcionados da busca pelo Santo Graal da juventude, existem referências na mitologia greco-romana de águas capazes de garantir a imortalidade. Não se tendo atingido a imortalidade, é verdade que a esperança média de vida, nos países industrializados aumentou muito nas últimas décadas, devido a vários fatores, entre os quais a revolução industrial (que trouxe consigo melhorias na qualidade de vida, produção e acesso a alimentos) e avanços na área médica. Mas a esperança média de vida, só por si, não diz tudo. A esperança média de vida com saúde, que é a que realmente desejamos, e, em Portugal, de acordo com o INE, em 2020, “a esperança de vida aos 65 anos foi estimada em 19,8 anos para o total da população, sendo respetivamente de 17,8 anos para os homens e de 21,6 anos para as mulheres com a mesma idade; considerando a informação relativa à existência de limitações devido a problemas de saúde, a estimativa de anos de vida saudável aos 65 anos foi 7,7 anos, mais baixa para as mulheres (7,1 anos) do que para os homens (8,4 anos)” (INE 2023).
Sabe-se que, mais do que o calendário, o que determina o nosso envelhecimento e a nossa saúde é a forma como o ambiente atua nos nossos genes. Há cada vez mais conhecimentos sobre fatores epigenéticos, ou seja, sobre os processos que regulam os nossos genes, determinando que informação é efetivamente traduzida numa característica funcional. A alimentação é cada vez mais reconhecida pela sua ação epigenética, com vários estudos a mostrarem o poder que nutrientes, toxinas, poluentes (pesticidas) encontrados nos alimentos têm na regulação dos genes e no desenvolvimento ou prevenção de doença (Zhang & Kutateladze 2018).
Mas, apesar de termos a alimentação como algo, teoricamente, sob nosso controlo, capaz de determinar o nosso estado de saúde e doença, parece que não estamos a usá-la corretamente. A verdade é que, se por um lado, os avanços científicos e tecnológicos levaram a que possamos viver mais tempo, a forma como nos alimentamos está a causar constrangimentos graves nos sistemas nacionais de saúde. Doenças crónicas não transmissíveis, grandemente associadas a uma má alimentação, como a diabetes e o excesso de peso/obesidade, atingem, na União Europeia, taxas de cerca de 10% (14,1% em Portugal, dados de 2021;) e 52,7% (57,7% na população adulta em Portugal), respetivamente (Eurostat 2023a; OND 2023). Por outro lado, 113 milhões de pessoas continuam a viver com doenças cardiovasculares na Europa, sendo esta a principal causa de morte nesta região (Timmis et al 2022) e os números de internamentos em Portugal, em 2021, foram estimados em 10.610/milhão de habitantes (Eurostat 2023b).
Em 1958, Ancel Keys, um fisiologista Norte-Americano, iniciou o estudo epidemiológico de 7 países, Estados Unidos, Finlândia, Holanda, Itália, Grécia, Ex-Jugoslávia e Japão, com o intuito de perceber a relação entre dieta e doença cardiovascular (Russo et al 2021). Deste estudo, Keys concluiu que, das 16 coortes estudadas, aquela numa ilha grega era a que apresentava menores índices de doença cardiovascular, o que foi atribuído a níveis muito baixos de gorduras saturadas e elevados níveis de gorduras mono-saturadas e ácidos gordos ómega-3, o que está associado à dieta de padrão Mediterrânico. Foi desde os estudos de Keys que a Dieta Mediterrânica, enquanto padrão alimentar e de estilo de vida, como a conhecemos hoje, foi associada a efeitos benéficos na saúde, sendo reconhecida como um dos padrões alimentares mais saudáveis do mundo. É quase irónico ser um investigador americano a dar à Dieta Mediterrânica o valor, em termos de saúde, que hoje lhe é reconhecido. Os estudos que se seguiram mostraram que, para além dos benefícios que a Dieta Mediterrânica tem, em termos cardiovasculares, há uma série de outros benefícios, em termos de saúde (Dinu et al 2017; Gantenbein & Kanaka-Gantenbein 2021; Mazz et al 2021; ver Martini 2019).
A Dieta Mediterrânica pode ser referida como uma dieta milenar, no sentido em que o estilo alimentar e de vida, que lhe está associado, advém da história da região do Mediterrâneo, onde, ao longo dos séculos, houve migração de povos e culturas, fazendo circular os alimentos e práticas agrícolas que lhes eram característicos. As condições edafo-climáticas, distintivas da bacia do Mediterrâneo e países por ela influenciados, moldou o tipo de agricultura e produção animal e consequentemente comportamentos sociais. Assim, a Dieta Mediterrânica tem um padrão alimentar que é baseado num consumo de alimentos produzidos na região (ou seja, produtos de proximidade), sazonais e, alguns dos quais, silvestres.
A Dieta Mediterrânica não é exclusiva de países mediterrânicos. Portugal reflete esta exceção, uma vez que não sendo um país banhado pelo mar mediterrânico tem esta como a sua dieta característica. Na realidade, em termos descritivos, é mais correto referir que a Dieta Mediterrânica é o padrão alimentar (e estilos de vida associados) associado às áreas “onde crescem oliveiras” (Trichopoulou et al 2014). No que diz respeito ao padrão alimentar, este é considerado um padrão de base vegetal, caracterizado por elevado consumo de hortaliças, fruta fresca, frutos oleaginosos, leguminosas, baixo consumo de carne (e preferencialmente carnes brancas) e lácteos e consumo moderado de pescado.
O azeite é a principal gordura e o vinho é a bebida alcoólica incluída, em doses moderadas e às refeições. Esta utilização do azeite, chegando mesmo a fazer com que seja um padrão em que o consumo de gordura total não é baixo (glúcidos e lípidos constituem-se como a principal fonte de energia, sendo que apenas cerca de 10% da energia é proveniente de proteína), é apontado como um dos principais motivos para os efeitos benéficos deste padrão alimentar na saúde. No entanto, o(s) componente(s)/mecanismo(s) exacto(s) através do(s) qual(quais) a Dieta Mediterrânica é promotora de saúde continua a ser alvo de debate. O conhecido estudo PREDIMED (Estruch et al 2013) (seguido do PREDIMED-PLUS) enfatiza o papel do azeite e dos frutos oleaginosos como fatores chave. Outro estudo (Greek EPIC – Trichopoulou et al 2009), mostrou que o consumo de alimentos de origem vegetal, combinados com consumo moderado de álcool (exclusivamente proveniente de vinho), em contraste com consumo elevado, ou nenhum, deste último, apresentava-se vantajoso, não pondo de parte um possível contributo do azeite para estes níveis de consumo de alimentos vegetais. Na realidade, e apesar de serem inegáveis os efeitos negativos do consumo de álcool, o vinho parece diferir das outras bebidas alcoólicas, sendo difícil atribuir-lhe o mesmo efeito nefasto, parecendo haver até algum potencial benefício, no caso de indivíduos adultos saudáveis, em doses moderadas e incluindo num padrão alimentar como o Mediterrânico (Hrelia et al 2021). A controvérsia relativa a algum potencial benéfico do vinho na Dieta Mediterrânica acentua que esta não é apenas um padrão alimentar, baseado numa combinação de alimentos específicos, mas é muito mais do que isso: é realmente um “estilo de vida”, como a palavra grega “diaita” refere.
Regressando à ideia inicial de longevidade, este conceito de estilo de vida responsável por saúde faz todo o sentido. Atualmente, as ilhas de Sardenha, na Itália e de Ikaria, na Grécia, são referidas como 2 das 5 “zonas azuis”, no mundo. Uma “zona azul” foi definida por Dan Buettner, jornalista e explorador da National Geographic, como um local onde os habitantes têm maior longevidade (elevada percentagem de centenários). De entre os pontos comuns, entre estas zonas, as dietas de base vegetal (sem exclusão de produtos animais), associada a atividade física, contacto social e familiar, foram realçados. Por exemplo, o bem-estar e valorização da pessoa idosa, sendo parte da família e participando nas atividades da comunidade, foi algo encontrado em todas estas zonas. Também a atividade física, principalmente através de atividades do dia-a-dia que requerem movimento e alguma força, como atividades agrícolas, ou outros trabalhos manuais. E a atenção à confeção dos alimentos, normalmente feita em grupo e de forma lenta. Tudo isto vai totalmente de encontro ao que são os princípios da Dieta Mediterrânica e mostram o quão ligada esta é ao contacto social e ao bem-estar. É, assim, muito mais do que uma simples combinação de alimentos.
Mas a Dieta Mediterrânica, apesar de existir enquanto conceito, e nesse conceito estar englobado o que foi referido anteriormente, não pode ser tida como obedecendo a uma definição fechada. Na realidade, a definição de Dieta Mediterrânica varia com a geografia e o tempo histórico e essa variação também é algo que a caracteriza. Os hábitos tradicionais das ilhas gregas, de 1958, caracterizados por Ancel Keys, não eram os mesmos que os hábitos em Itália, nessa altura, ou em Portugal. Também não poderão ser esses os hábitos que podemos querer em 2023. Até porque se a Dieta Mediterrânica tem por base alimentos produzidos localmente, sazonalmente, em função das condições de cada território, não é possível ter os mesmos alimentos, as mesmas variedades, nas diferentes zonas, com diferentes solos e climas. Se pensarmos num país tão pequeno como Portugal, conseguimos ver que os costumes (muitas vezes observados através da gastronomia típica) não são os mesmos no Sul, Norte e Centro e até na mesma região conseguimos encontrar constituintes alimentares bastante diversos, como é visível entre Algarve litoral e interior, por exemplo (Freitas et al 2015). Estas várias “dietas mediterrânicas”, que caracterizam o que é a Dieta Mediterrânica, são, por isso mesmo, um sinal do contributo que este estilo de vida tem para a sustentabilidade ambiental (Lamy et al 2022). Na realidade, o basear a alimentação nos produtos alimentares que a região tem a capacidade de produzir, num consumo coincidente com o período de produção e até no desenvolvimento de formas de preservação dos alimentos produzidos em excesso, coincide com os princípios da Dieta da Saúde Planetária, trazida em 2019 por um grupo de peritos da Eat Lancet, que repensaram os sistemas alimentares, no sentido de garantir a saúde Humana e do Planeta (Willet et al 2019). Na realidade, o conceito de estilo de vida Mediterrânico coincide com conceitos de agricultura que ganham adeptos nos dias de hoje, como a agricultura regenerativa (ou de conservação) e a agroecologia, onde a produção de alimentos vai, não só no sentido de preservar os recursos, como de restaurar e melhorar esses recursos (Carlile & Cusworth 2021) – e mais uma vez, a prova de que Dieta Mediterrânica é muito mais do que apenas uma combinação de alimentos.
Há ainda um ponto que não foi aqui referido e que é, talvez, uma das principais características da Dieta Mediterrânica, que é a sua frugalidade. É verdade que os alimentos principais constituintes da Dieta Mediterrânica são alimentos que contribuem para a saciedade, ajudando também a controlar a quantidade de energia ingerida. Mas, ainda assim, consumir só de acordo com as necessidades é talvez das características mais difíceis de conseguir nos dias de hoje, em que, nos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, temos abundância alimentar. Na realidade a Dieta Mediterrânica, como foi caracterizada nos anos 50, do século passado, tem a ver com uma alimentação de sociedades pobres, onde o acesso a proteína animal era limitado. As pessoas comiam aquilo que tinham à disposição, o que no caso da região abrangida pela Dieta Mediterrânica, eram os cereais, frutos, hortaliças, sementes, leguminosas. E tendo respeito por esses alimentos e pela necessidade de os consumir e aproveitar de forma a durar para as necessidades. Há também a confusão entre gastronomia tradicional e Dieta Mediterrânica e com isso alguma dificuldade em entender o que são os hábitos que devem constar do dia-a-dia e o que são as refeições de dias festivos.
Por tudo o que foi referido até aqui, faz sentido assinalar e comemorar o dia 4 de dezembro. Em novembro de 2010 a Dieta Mediterrânica foi declarada como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, mas só a 4 de dezembro de 2013, Portugal integrou o grupo de 7 países associados a esta inscrição, juntando-se assim a Grécia, Itália, Espanha, Croácia, Chipre e Marrocos.
Na classificação da UNESCO, “o significado de dieta apoia-se na derivação grega Diaita, a qual significa estilo de vida, relação entre corpo e espírito, corpo e meio ambiente, englobando ainda a produção, comercialização, comensalidade, ritual e simbologia alimentar”.
E é no texto que está inscrito na UNESCO que, em poucas linhas se consegue verificar a forma como a Dieta Mediterrânica contribui para os diferentes pilares da sustentabilidade, ambiente, economia e sociedade: “A Dieta Mediterrânica enfatiza valores como a hospitalidade, a vizinhança, o diálogo intercultural e a criatividade, bem como um modo de vida pautado pelo respeito pela diversidade. Desempenha um papel vital em espaços culturais, festivais e celebrações, reunindo pessoas de todas as idades, condições e classes sociais. Abarca o artesanato e a produção de recipientes tradicionais de transporte, preservação e consumo de alimentos, incluindo pratos de cerâmica e copos. As mulheres desempenham um papel importante na transmissão do conhecimento relativo à Dieta Mediterrânica: salvaguarda das suas técnicas, respeito pelo ritmos sazonais e eventos festivos, transmissão às novas gerações dos valores associados a este elemento patrimonial. Os mercados desempenham igualmente um papel fundamental como espaços para cultivar e transmitir a Dieta Mediterrânica mediante práticas diárias de troca, concórdia e respeito mútuo.”
Temos o comprometimento, com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), de preservar e salvaguardar este estilo de vida, que se mostra valioso para garantir mais saúde e longevidade, para nós, para o planeta e para os que se seguem.
Artigo publicado originalmente em MED.