Após 9 anos como Vice-Presidente da FPAS, David Neves assumiu as funções de Presidente para o biénio 2021/2022, com uma agenda cheia de novos desafios. Talhado por um sentido crítico e consciente das atuais dificuldades, escrutina o panorama da suinicultura portuguesa apontando um caminho de sustentabilidade, para um setor que se quer cada vez mais competitivo.
Com um passado recheado de marcos históricos, amarguras e conquistas, a FPAS soube reinventar-se ao longo dos seus 40 anos, alcançando um valor inestimável na suinicultura portuguesa. Como revê este passado?
É um passado que enaltece 4 décadas de história de uma organização, cuja ação se pautou sempre pela defesa intransigente do setor. São realmente muitos os marcos históricos que compõem as páginas de uma história de 40 anos, onde as conquistas superaram as amarguras.
Foram conquistas fruto de muito trabalho, persistência e sobretudo muita resiliência, que permitiram projetar um setor dinâmico, moderno e competitivo.
Quero aqui expressar o meu mais reconhecido apreço e reconhecimento aos suinicultores portugueses e a todos aqueles que nesta organização, ao longo destes 40 anos, foram o rosto do trabalho, persistência e da resiliência deste setor, e que fizeram da FPAS uma das organizações de elevado reconhecimento nacional e internacional, atestado pela Medalha de Honra da Agricultura atribuída em 2017 pelo seu contributo para o desenvolvimento agrícola, agroindustrial e florestal do país.
Iniciou este novo mandato como Presidente da FPAS a 12 de maio deste ano, após 9 anos como Vice-Presidente. Quais as expetativas para este novo
ciclo de dois anos?
Com o trabalho e empenho de toda a equipa, as expetativas só podem ser altas apesar de ser um ciclo particularmente difícil, com muitas exigências para o setor e num contexto pandémico nunca antes existente, que produz significativas alterações na produção e sobretudo nos mercados.
Este mandato surge também no biénio anterior à entrada em vigor da nova PAC, que traz consigo novos e grandes desafios à produção suinícola assumidos na agenda ‘Farm to Fork’, a par de outras áreas estratégicas como a promoção da suinicultura e a exportação.
É essencial que este novo ciclo de dois anos de mandato dirija o foco para temas tão urgentes como a sustentabilidade ambiental da atividade, a defesa da reputação do setor da Suinicultura, o aumento da autossuficiência, a promoção do bem-estar animal e os entendimentos da fileira em matérias como a comunicação e a internacionalização, com o reforço das exportações e abertura a novos mercados.
Este será um ciclo de continuidade dos importantes projetos que foram iniciados no mandato anterior, como a operacionalização do Centro Tecnológico para a Suinicultura, o desenvolvimento do Roteiro Ambiental, cujo protocolo foi assinado no passado dia 18 de maio, e a implementação da Certificação em Bem-Estar Animal, projeto desenvolvido no âmbito da FILPORC – Organização Interprofissional da Fileira da Carne de Porco.
Tendo já sido Presidente da FPAS entre 2004 e 2006, quais as diferenças a nível do setor, da equipa diretiva da FPAS e de objetivos a concretizar desse
período para este?
Ao longo dos últimos 15 anos, muitas foram as alterações estruturais que aconteceram no setor. As sucessivas crises fizeram com que muitos suinicultores abandonassem a atividade. Por outro lado, os resistentes tornaram-se mais fortes e mais competitivos. Houve uma enorme aposta na formação e hoje as empresas estão dotadas de quadros técnicos mais bem preparados, que colocam algumas das nossas explorações no ranking do melhor que se faz na Europa e no mundo.
Relativamente aos objetivos, eles não diferem muito, e assentam essencialmente na Sustentabilidade do Setor, Ambiente, Bem-Estar Animal, Segurança Alimentar e Biossegurança nas explorações. São objetivos que o setor persegue há muitos anos.
Talvez hoje exista uma maior consciência da necessidade de uma visão mais ampla, visão de fileira, em vez da visão restrita de setor, muito também consequência da recente abertura de mercados como a China. Esta nova visão materializa-se na Organização Interprofissional da fileira da carne de porco – FILPORC.
O que está a faltar à suinicultura portuguesa para que se torne ainda mais forte e com maior sustentabilidade?
O caminho da sustentabilidade é um caminho que o setor tem vindo a percorrer nos últimos anos e que continua, com objetivos perfeitamente definidos:
– Ao nível da formação e investigação tecnológica, de que é exemplo o projeto do Centro Tecnológico para a Suinicultura, que será uma infraestrutura fundamental para o desenvolvimento sustentável do setor;
– Ao nível do ambiente, com o Roteiro Ambiental, que projetará de forma transversal e integrada no horizonte 2030 a estratégia do setor da suinicultura em Portugal nos domínios da bioeconomia circular, valorização energética e agronómica, permitindo a redução das emissões de CO2 em 55%, tendo por base os valores de 1990 no horizonte 2030, bem como a reciclagem e valorização de nutrientes produzidos pela atividade, substituindo o recurso a fertilizantes de síntese em mais de 50%;
– Ao nível do Bem-Estar Animal, com a certificação em bem-estar animal que implementa referenciais além dos já legislados, com o objetivo de oferecer aos consumidores nacionais e aos mercados externos a garantia da confiança nos processos de produção da fileira da carne suína, colocando a suinicultura portuguesa na linha da frente a nível mundial na ética de trabalho com os animais, promovendo o seu bem-estar e a sua saúde e, consequentemente, a qualidade da carne;
– Ao nível do mercado. O setor registou o melhor saldo da balança comercial de sempre, aumentando 44% o seu volume de negócios externos, tendo as exportações ultrapassado os 191 milhões de euros, que representam 6,7% das exportações portuguesas do complexo agroalimentar.
Como perspetiva a internacionalização da suinicultura portuguesa?
A abertura de novos mercados e a tão proclamada autossuficiência em valor constituem um pilar importante no reforço e na sustentabilidade do setor. Contudo, nesta matéria, os sucessivos governos não têm acompanhado a estratégia do setor, faltando uma estratégia política que alivie os custos de contexto associados à burocracia e falta de meios das organizações do estado, falta clareza e agilidade numa matéria estrutural como é o licenciamento das explorações pecuárias, que constitui um fator crítico ao crescimento e modernização do setor. Falta coragem e vontade política para evoluir para um referencial de licenciamento zero.
Numa altura em que surgem novas frentes de ataque ao setor, vindas não só de quadrantes políticos, mas também de um novo tipo de consumidor, adivinha-se um futuro próximo com novos obstáculos. O que podemos esperar da FPAS neste novo combate da desinformação?
Um dos grandes desafios do setor, e de todo o mundo rural, é comunicar, comunicar, comunicar… É importante desenvolver uma estratégia de comunicação pró-ativa e positiva que passe por uma maior intervenção do Ministério da Agricultura, uma maior união das organizações da fileira agropecuária e agroindustrial e uma maior mobilização dos produtores para estabelecer relações de confiança e transparência com os consumidores. Esta é uma das grandes apostas da FPAS. Rejeitamos a criminalização do setor e rejeitamos ter vergonha por alimentar o mundo.
Como está a sobreviver o setor face à pandemia COVID-19 e qual o papel da FPAS no apoio aos suinicultores?
Os suinicultores, trabalhadores e empresários suinícolas foram inexcedíveis no esforço de superação sobre neste período social e económico bastante conturbado, e que esperamos estar perto de ultrapassar. Durante o período pandémico, os trabalhadores e as empresas da fileira não pararam. Foi em prejuízo pessoal e familiar que milhares de pessoas prosseguiram a sua nobre missão de produzir, transformar e alimentar os portugueses para que à crise sanitária não se somasse uma crise alimentar.
Apesar de tudo, um dos subsetores da produção, o dos leitões de assar, passou por momentos muito difíceis, vendo repentinamente fechados os seus canais comerciais. A restante produção vive também hoje as consequências da grande contração de consumo e a pressão dos mercados. A FPAS tem acompanhado e alertado o Governo para as diversas situações, tendo daí resultado uma linha de apoio às produtoras de Leitão.
De olhos postos no futuro, quais as principais ambições da FPAS para os próximos 10 anos?
As principais ambições da FPAS para os próximos 10 anos são as de conseguir corresponder aos desafios dos seus associados e consequentemente do setor, contribuindo para um setor competitivo, moderno, dinâmico e sustentável em todas as suas vertentes, que consiga afirmar a suinicultura portuguesa como um pilar importante da economia nacional.
O artigo foi publicado originalmente em FPAS.