Através do Programa Semear, jovens com deficiência intelectual, dos 18 aos 45 anos, estão a receber formação e a ser integrados socioprofissionalmente em empresas do setor agroalimentar, indústria e comércio. Ultrapassada a primeira barreira, as empresas começam a estar recetivas a acolher estes profissionais como uma mais-valia para as suas equipas. Quem recruta garante que as expectativas são superadas.
O Programa Semear da associação BIPP – Soluções para a Deficiência arrancou em 2013 em escolas do concelho de Cascais, com o objetivo de educar a comunidade escolar para a inclusão de alunos com deficiência. Um ano depois, com o apoio de alguns parceiros, tomou outro rumo iniciando a formação de jovens com deficiência intelectual no Instituto Superior de Agronomia (ISA) tendo como finalidade a integração no mercado de trabalho.
De 2014 a dezembro de 2016, foram 36 as pessoas que terminaram a formação, tendo sido integradas profissionalmente, até ao momento, 23. “Os restantes mantêm-se em procura ativa de trabalho ou foram encaminhados para outro tipo de respostas sociais”, refere a fundadora e presidente da BIPP, Joana Santiago, que partilha orgulhosamente a taxa de sucesso de empregabilidade de 60%, “o que é muito bom face à realidade portuguesa”. Os jovens que já estão empregados socioprofissionalmente integraram o setor agrolimentar, seja “na indústria, na agricultura, em armazéns, na reposição, e outras áreas, em empresas do distrito de Lisboa e também nos negócios sociais da BIPP”.
Em 2017, iniciaram formação mais 32 jovens que estão a realizar neste momento cursos em várias áreas e com diferentes tempos de duração. “Ajustamos as formações à medida das capacidades e dos percursos de cada um”, diz a presidente. Durante esse período, os jovens fazem muita formação prática de forma a desenvolverem competências, dividindo-se entre o ISA, onde se localiza a escola “Semear”, a cozinha e a mercearia onde são confecionados e transformados produtos agrícolas em molhos, compotas, temperos [para depois serem vendidos revertendo a verba na totalidade para o projeto], e a exploração agrícola biológica, em Oeiras, inaugurada há dois anos. Foi também em 2017 que teve início a venda local de produtos frescos e a BIPP passou a ser considerada uma entidade formadora certificada pela DGERT (Direção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho).
Ultrapassar barreiras
“Todas as semanas, estes jovens vão à terra fazer experiências profissionais em contexto de trabalho”, conta Joana Santiago. A ideia é sensibilizar cada vez mais empresas a receber os formandos em estágios ou a contratá-los para as suas equipas. “Temos programas de formação adaptados às próprias empresas de modo a que fiquem autónomas neste processo de recrutamento.”
A organização de produtores de hortofrutícolas Torriba, em Santarém, é uma das parceiras que recebe formandos para alguns dias de estágio no terreno. “A experiência tem sido positiva e ultrapassa largamente as expectativas iniciais”, garante a engenheira agrónoma Inês Vinagre. Os jovens passam por plantações ou colheitas juntando-se aos trabalhadores da Torriba para que, em conjunto, executem as tarefas propostas. Mais do que assistir à aprendizagem técnica que estas atividades proporcionam, a responsável congratula-se de assistir “à reação destes jovens quando sentem que efetivamente têm competências para desenvolver uma tarefa em total pé de igualdade com pessoas contratadas para o efeito”. Opinião semelhante tem Ashkan Seifi, um dos membros da administração da Frustock que considera “bastante gratificante olhar para as equipas de trabalho e perceber que não existem fronteiras nem barreiras. Todos valem!”.
Um desafio também para as empresas
Joana Santiago revela que existe um medo inicial por parte das empresas parceiras, que é natural, daí que o Semear invista na formação e no acompanhamento durante o processo. De igual modo, a BIPP acompanha os jovens que são escolhidos para trabalhar nas empresas. “Não os abandonamos. Julgamos que essa tem sido uma mais valia e que a manutenção do posto de trabalho resulta muito deste apoio que damos, quer aos jovens, quer às empresas. Se as mesmas se sentirem autónomas e capazes neste processo, empregam com muito mais facilidade”, defende.
Ashkan Seifi aborda a questão dos desafios acrescidos do lado de quem contrata. “Embora estes jovens tenham uma excelente performance na execução das suas tarefas, também têm um lado mais emocional e mais frágil que obriga, por vezes, a interagir de forma diferente e a compreender o seu mundo.” Foi há cerca de três anos que a empresa recebeu os primeiros finalistas do Programa Semear, tendo integrado três deles na sua equipa. Na Frustock, é nomeado um tutor aos candidatos acompanhando-os durante a formação e o desempenho de funções. Após um pequeno período de experiência, identificam-se as áreas que melhor se adequam a cada um dos candidatos, com a supervisão da equipa da BIPP. “Não verificamos grandes diferenças na admissão destes candidatos quando comparados com outros”, garante o responsável.
Aquando da integração destes formandos, o que mais o surpreendeu Ashkan Seifi “foi a envolvência da equipa com os candidatos e também o grande esforço feito por ambas as partes na realização de tarefas”. Inês Vinagre vê nas formações que a Torriba proporciona “uma esperança renovada” ainda que o caminho seja longo. “O meio rural e os empresários agrícolas são um terreno fértil para acolher projetos como este. O Semear é um bom modelo para começar a mudar mentalidades e demonstrarmos que faz sentido integrar estes profissionais”, adianta.
E porquê a agricultura? A presidente da BIPP defende que este é um setor muito abrangente e que se adequa às características destes jovens além de ser “uma área onde há oferta de emprego”.
Lançar a semente para melhor integrar
Joana Santiago não tem quaisquer dúvidas: “A integração da diversidade é fundamental e deve ser uma prioridade na área de recursos humanos das empresas”. Mas para o membro da administração da Frustock, existem alguns constrangimentos na tomada de decisão de contratar estas pessoas, desde logo, a dificuldade de deslocação aos locais de trabalho. “Temos verificado ao longo destes anos que a maioria dos candidatos reside bastante longe das empresas aderentes a este projeto. Defendemos que seria fundamental a existência de incentivos laborais e um maior apoio a este nível”, diz Ashkan Seifi.
A Torriba, atualmente, colabora “mais como mediadora do que propriamente como empregadora”, explica Inês Vinagre, adiantando que os dias de formação no terreno servem para sensibilizar jovens e empresas, desmistificando algumas questões, e tentando “deixar a semente para um mundo mais inclusivo possível”. É que ao final de cada dia de formação, é compensador para as equipas verificar “a atenção, o empenho, o orgulho com que os formandos desempenham estas tarefas pois não querem falhar nem perder rendimento face aos restantes. É inspirador assistir à forma como se superam e suportam o esforço físico”, conclui a engenheira agrónoma.