Um investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro afirmou hoje que as transferências de água entre bacias hidrográficas criam grandes conflitos sociais e problemas de défice nos locais de onde é retirado o recurso.
Rui Cortes falava à agência Lusa a propósito das reuniões regionais do grupo de trabalho ‘Água que Une’, criado pelo Governo em julho para elaborar uma nova estratégia nacional para a gestão da água.
O especialista em recursos hídricos lamentou que, na ordem de trabalho das reuniões, se inclua como possibilidade a ser estudada, embora em último recurso, a interligação entre bacias hidrográficas, nomeadamente de norte para sul, e se exclua a agricultura intensiva e superintensiva e grande consumidora de água.
“As necessidades de água, obviamente, são mais prementes no sul do país, onde chove menos, mas é exatamente onde têm aumentado as áreas de culturas altamente exigentes em água”, apontou o investigador do Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB), da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Na sua opinião, é fundamental encarar-se as questões agrícolas como um aspeto essencial e não caminhar, como parece que está a suceder, no sentido de aumentar a artificialização dos cursos de água, do uso de águas subterrâneas (através de furos) ou aumentar o número de barragens (a regularização).
“Está-se a caminhar para uma situação que é muito perigosa que é o facto de que a gestão dos recursos hídricos deve ser feita por bacia hidrográfica e, ao proporem-se os transvases, vai-se quebrar completamente o que está preconizado na Diretiva Quadro da Água”, destacou ainda, lembrando que há dois meses foi aprovada uma estratégia europeia da biodiversidade que prevê precisamente a redução de barreiras e o aumento de rios livres.
E, referiu, Portugal está a “pensar caminhar para uma situação de criação de mais barragens e de transvases, o que não vai ao encontro do que é proposto por essa estratégia europeia”.
Relativamente aos transvases, Rui Cortes considerou que é uma medida que, a concretizar-se, irá ter uma “repercussão negativa do ponto de vista da biodiversidade e da qualidade ecológica dos cursos de água”.
“Fazer transferências de água de uma bacia para outra é criar problemas de défice nas bacias de onde é retirada a água”, afirmou, considerando ainda que os “transvases criam grandes conflitos a nível social”.
Exemplificou com o caso de Espanha, designadamente com a transferência de água do Alto Tejo para a Andaluzia, referindo que os agricultores da zona do Tejo espanhol têm protestado fortemente e que o Governo espanhol já decidiu reduzir os transvases em 40%.
No despacho publicado no Diário da República em julho, refere-se que os planos devem atender, “em último recurso, a transferência de água entre bacias hidrográficas”, para além das “novas origens de água, designadamente à reutilização, dessalinização da água do mar e salobra, otimização da exploração das albufeiras existentes e aquíferos, construção de novas infraestruturas de armazenamento ou alteração das existentes”.
Rui Cortes, que também é membro do Conselho Nacional da Água, lamentou que as reuniões apenas se tenham iniciado em outubro, quatro meses depois da criação do grupo de trabalho, cuja missão termina a 21 de dezembro.
“Está tudo em cima do joelho e, apesar de se ter procurado agregar universidades, organizações não-governamentais e setor público, não sei o que se poderá fazer em tão pouco tempo”, apontou.
Referiu ainda que o Conselho Nacional da Água elaborou há cerca de ano e meio um documento sobre as medidas estratégicas a serem tomadas em situações de seca, quer a curto, médio e longo prazo.
“É um documento que está feito e que responde a estas questões”, realçou.