A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) afirmou hoje que o Governo “só descobriu agora” que o país está em seca, mas não foi por falta de aviso dos agricultores, pedindo apoios cirúrgicos e o fim da “loucura agronómica”.
O Ministério da Agricultura e da Alimentação, tutelado por Maria do Céu Antunes, reconheceu hoje a situação de seca severa e extrema em cerca de 40% do território nacional.
Num comunicado hoje divulgado, o ministério garantiu ter sinalizado a situação, na semana passada, junto da Comissão Europeia, acrescentando que a adoção de um conjunto de medidas está sempre dependente da “luz verde” de Bruxelas.
“O Governo descobriu agora, mas não foi por falta de alerta dos agricultores portugueses. Pelo menos, a Sul temos vindo, sistematicamente, a levantar o problema e só agora foram tomadas medidas, muito longe daquilo que necessitamos”, afirmou o dirigente da CNA Joaquim Manuel Lopes, em declarações à Lusa.
Segundo a confederação, a Sul não existem cereais de outono-inverno e as pastagens estão, praticamente, “em terra limpa”.
A situação vai “agravar-se inevitavelmente” e, até outubro, Portugal vai ser “flagelado” pela falta de água e de alimentos e, consequentemente, com o aumento de preços.
“Com os fatores de produção a triplicarem […], é inevitável que se reflita nos preços. Isto não vai lá com baixas de IVA. Vai lá com determinação dos preços de aquisição e de venda ao público. Podem dar as voltas que quiserem e vão chegar a esta conclusão. O 0% de IVA já foi comido”, apontou.
Os agricultores asseguram que avisaram, sistematicamente, o Governo e lamentam que não tenham sido tomadas medidas atempadas, nomeadamente para garantir a alimentação animal, que também pode entrar em rotura de ‘stock’.
“Este tipo de apoios não pode ser relegado para daqui a não sei quantos meses. Exigem-se apoios imediatos, a fundo perdido, para que os agricultores possam adquirir alimentos para os animais, enquanto eles existem. Se não, vamos ter pessoas a desfazerem-se dos animais, que é o que já está a acontecer por falta de alimentos. Em 2004/2005 foi necessário trazer palha de França”, apontou.
Joaquim Manuel Lopes defendeu ainda que “urge pôr a funcionar” os perímetros de rega de Monte da Rocha e Campilhas, colocando água à disposição dos agricultores, e que as barragens de Bravura e do Arade precisam de investimentos para que seja possível fazer a recarga de água.
O membro da direção da CNA criticou também o facto de que, apesar da seca ser um problema com o qual Portugal se depara há vários anos, o executivo acredite sempre na chuva.
“A minha avó recolhia água num alguidar, que dava para lavar os pés não sei quantas vezes. Bom, mas se a minha avó não tivesse um alguidar, não lavava os pés. É o que nos está a acontecer a nós. Nós precisamos de criar pequenos regadios que permitam o autoabastecimento de água a muitos agricultores. O preço da água triplicou. O Estado português tem de assumir o fornecimento de água em todo o país, ao mesmo preço, a partir de infraestruturas públicas. Se é cada um ao seu preço, nunca mais é fim de semana”, referiu.
Para a CNA, Portugal depara-se com uma “loucura agronómica”, que trará consequências a longo prazo.
“Em Alcácer do Sal parece que agora vão surgir 500 hectares de citrinos. Primeiro esburacámos o Algarve todo, fizemos daquilo um queijo suíço, e agora não se aproveitam sequer os citrinos do Algarve, vão-se fazer 500 hectares na península de Setúbal, vamos aos aquíferos e um dia destes a água vai faltar. Há uma espécie de autogestão, cada um desenrasca-se como pode”, exemplificou.
Joaquim Manuel Lopes considerou que algumas das medidas agora em cima da mesa fazem sentido, mas não vão pôr fim ao problema, defendendo ainda uma intervenção financeira junto das organizações de produtores e das cooperativas agrícolas, que têm sido o “para-choques” dos aumentos consecutivos dos custos de produção e dos serviços.
“Um dia destes, com as medidas que o BCE [Banco Central Europeu] acabou de anunciar [subida das taxas de juro], intempestivas e perigosas, nós vamos ter crédito malparado por todo lado e vamo-nos agarrar à cabeça. Era bom que o Estado português percebesse a necessidade de intervir […]. Partimos tarde e queremos chegar à meta cedo. Sol na eira e chuva no nabal não há. Tirem isso da cabeça. Ou se atua ou continuamos a encanar a perna à rã”, concluiu.
De acordo com o índice ‘PDSI – Palmer Drought Severity Index’, citado pelo Governo, no final de abril, verificaram-se 40 municípios na classe de seca severa e 27 em seca extrema, o que corresponde a cerca de 40% do território.
Para isto contribuíram as temperaturas “acima do normal”, as ondas de calor e a reduzida precipitação em março e abril.