Num sul do país onde a escassez de água ameaça cada vez mais o território, também emergem modelos de exploração sustentável dos recursos nas adaptações às alterações climáticas. Da agricultura ao golfe. Em comum, está o respeito pelos solos.
Situada entre o barrocal e a serra algarvia, em Benafim, interior do concelho de Loulé, a Quinta do Freixo tem uma área a perder de vista. Numa ínfima parcela destes 700 hectares, quase mil ovelhas campaniças, raça autóctone desta região, pastam tranquilamente o solo coberto de vegetação, numa área de terreno que, ao olhar de um leigo, parece desnecessariamente pequena face à imensidão em redor. No entanto, reside aqui um dos segredos que fazem desta quinta um dos exemplos de agricultura responsável e sustentável num território a sofrer os efeitos severos das alterações climáticas, como o é a região do Algarve.
Ao fim de poucos dias, aquelas ovelhas vão mudar-se para outra cerca do género, com um espaço bem limitado, onde continuarão o pasto. E assim sucessivamente, “imitando o processo observado na vida selvagem às grandes manadas de herbívoros, que pastoreiam intensamente determinadas áreas à sua passagem, as quais depois descansam depois por longos períodos de tempo até as rotas de migração fazerem regressar esses animais”, conta Luís Silva, à frente dos destinos das quintas (a do Freixo e a do Mel, nas Açoteias) que estão na sua família há cinco gerações, desde o final do século XIX.
O “maneio holístico” — assim se chama este método de pastoreio rotacional criado pelo zimbabueano Allan Savory, naturalista e criador de gado com uma vasta experiência na savana africana — é uma das técnicas mais usadas na agricultura regenerativa, a filosofia que Luís Silva implementou nestas quintas nos últimos três anos e que permite, como o nome o indica, regenerar os solos de uma forma natural, sem estar tão dependente de recursos que se anteveem cada vez mais escassos, como a água. “Começa tudo com o solo”, sublinha, apontando para a cobertura vegetal com que as ovelhas se vão deliciando. “Quando o solo é trabalhado da forma certa, tem mais matéria orgânica, o que implica ter mais carbono nos solos. E um solo mais vegetal funciona como uma esponja, vai absorvendo água e torna-se ele próprio um reservatório”.
Ora, o pastoreio rotacional tem precisamente esse efeito na regeneração dos solos. “Metemos cercas elétricas mais pequenas que as ovelhas respeitam, restringimos o espaço que elas percorrem num período de tempo, elas impactam exaustivamente esse espaço e deixam estrume, melhorando a microbiologia do solo, que é fundamental”, detalha Luís Silva. “Era assim que antigamente se criavam solos com elevado teor de matéria orgânica. Só estamos a recriar, do ponto de vista ecológico, condições que já existiam aqui”.
À medida que explica este processo, o proprietário da Quinta do Freixo vai mostrando parcelas de terreno já impactadas pela ação das ovelhas, com farto coberto vegetal. “Só este ano já conseguimos recuperar 6 hectares de solo. Para o ano quero recuperar 25”, revela. Os ganhos são óbvios: solos mais produtivos, menos água usada em rega e menor necessidade de comprar rações para os animais, que têm nos solos forragem para o pasto.
“Estes animais são ferramentas de regeneração. A carne é um subproduto”, sintetiza Luís Silva. Além da pecuária e da pastorícia, as atividades na Quinta do Freixo englobam ainda a floresta (alfarroba, cortiça…) e os pomares de frutas e hortícolas, de onde sai também a matéria prima para as compotas próprias. Tudo isso abastece a unidade de turismo rural e restaurante integrados na quinta, onde Luís espera “em dois anos servir exclusivamente produtos da nossa produção”. “Só com diversidade se consegue um ecossistema saudável”, despede-se, apontando “as monoculturas intensivas que estão a degradar os solos para o futuro” como “um problema maior” que a falta de chuva.
Parreira, um modelo há mais de 30 anos
Se a Quinta do Freixo é um dos exemplos crescentes de que começa a haver novas sensibilidades na cultura dos solos, na Herdade da Parreira, em Montemor-o-Novo, a uma hora de Lisboa, essa preocupação já vem de longe, há pelo menos 35 anos, ancorada na visão de Mário Carvalho, professor catedrático aposentado da Universidade de Évora que, na altura, se aliou ao seu aluno Nuno Marques, proprietário da herdade, para desenvolver na Parreira um projeto que hoje […]