O que começou com uma acusação de prática de agricultura intensiva acabou por se transformar num rol de datas e informações contraditórias sobre as empresas de produção agrícola – e não só – a que Inês Sousa Real está ou esteve ligada. A par disso, o PAN vive o seu momento mais critico desde a fundação, em 2009, com a única deputada eleita nas últimas eleições debaixo de fogo
Os maus resultados nas eleições legislativas antecipadas fizeram tremer ainda mais a liderança de Inês Sousa Real, que para além de ser agora deputada única do partido, viu esta segunda-feira uma dezena de membros da Comissão Política Nacional do PAN pedirem a demissão, alegando “total asfixia democrática interna”.
Entre os demissionários está Nelson Silva, uma das vozes mais críticas dos resultados obtidos no último sufrágio, onde seguraram apenas um deputado, tendo perdido mais de 92 mil votos em relação às eleições de 2019, onde tinham obtido 174.511 votos. O ainda deputado já tinha pedido a realização de um congresso eletivo para “apurar responsabilidades” pelo resultado das eleições legislativas, mas a atual líder do partido reiterou que é necessário ouvir as bases “para perceber se daqui resulta também essa sua vontade”. Esta posição foi criticada pelos membros que se demitiram esta segunda-feira.
Inês Sousa Real, agora única deputada do PAN na Assembleia da República, já disse que recusa demitir-se, mesmo após críticas do ex-líder do partido, André Silva.
Dias antes das eleições legislativas antecipadas, que ditaram a perda de três deputados por parte do PAN, a revista Visão noticiou duas novas polémicas associadas às práticas agrícolas de Inês Sousa Real. Desta vez, diz a publicação, uma das empresas agrícolas da porta-voz do partido pediu autorização para usar o inseticida Delegate 250 WG, que serve para matar moscas da fruta (Drosophila suzukii), e recorreu ainda a uma subespécie de abelha, a mamangava-de-cauda-amarela-clara (Bombus terrestris), que, segundo a revistas é considerada uma ameaça para as abelhas portuguesas.
Mas as polémicas que envolvem Inês Sousa Real e as suas empresas agrícolas não são de agora.
Inês Sousa Real, porta-voz do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), começou por estar no centro das atenções em novembro do ano passado, após uma denúncia que dava conta de que as duas empresas de produção agrícola a que estaria associada – primeiro diretamente, depois indiretamente – recorrem a estufas e fazem agricultura intensiva, duas práticas que são criticadas pela própria deputada por irem contra os ideias de produção biológica e do partido. A denúncia foi avançada pelo Nascer do Sol.
A ligação da deputada às empresas de agricultura intensiva, a Berry Dream Lda. e a Red Fields Lda, foi escrutinada no final do ano pelos media. O Correio da Manhã avançou com uma ligação de Sousa Real a estas empresas, dando conta também de que acumulou indevidamente funções em cargos públicos e privados ao longo de alguns meses, entre 2012 e 2013. Além disso, a passagem de quotas para a sogra que, por seu turno, passou para o filho (o marido de Inês Sousa Real) levantou dúvidas.
O jornal digital Observador noticiou também em novembro passado a ligação de Inês Sousa Real a uma terceira empresa, desta vez sem ser do setor agrícola, e à omissão, por parte da deputada, da comunicação dessa mesma empresa na declaração do registo de interesses, a ser entregue na Assembleia da República e na declaração de rendimentos, que deve constar no Tribunal Constitucional.
A estas polémicas, Inês Sousa Real respondeu, na altura, com uma nota à imprensa de cinco páginas e com 30 tópicos enviada por e-mail.
Acusação de agricultura intensiva e uso de plástico
Os negócios agrícolas em que Inês Sousa Real está ou esteve envolvida foram criticados por parte de Luís Mira, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, que, em declarações ao jornal Inevitável (no dia 15 de novembro), pediu a demissão da porta-voz do PAN, acusando-a de praticar aquilo que o partido que dirige condena: agricultura intensiva e uso de estufas. Em causa estavam as empresas Berry Dream Lda. (com sede em Oeiras) e Red Fields Lda. (com sede no Montijo), especializadas na produção e comercialização de frutos vermelhos.
A agricultura intensiva caracteriza-se pela produção de grandes quantidades de um único tipo de fruta ou vegetal, recorrendo, para isso, a um grande uso de produtos químicos, não respeitando as necessidades do solo se regenerar. Sobre este ponto, o PAN garante, em comunicado, que “ambas as empresas pugnam por boas práticas ambientais, sem recurso ao uso de pesticidas”.
A empresa Berry Dream, Lda. tem certificado pela SATIVA, mas nem isso impediu que fosse alvo de críticas, uma situação que, segundo Paulo Horta, da associação ambientalista ZERO, apenas faz sentido se em causa estiverem problemas não identificados pela empresa responsável pela fiscalização e certificação, algo que é incomum acontecer. O site da Red Fields Lda. não faz qualquer menção a certificado biológico e a empresa não consta no registo do diretório de operadores orgânicos certificados, onde está a Dream Berry, Lda. A CNN Portugal pediu, em novembro, as datas de quando as duas empresas obtiveram a certificação biológica, mas não obteve resposta.
À acusação de usar estufas, Sousa Real respondeu que eram túneis. O ambientalista da ZERO esclarece que, de facto, “são métodos diferentes” e que o primeiro, o que Inês Sousa Real diz que usa na empresa e, segundo a própria, cujas “coberturas são amovíveis” (no site da Berry Dream, Lda. há uma imagem que mostra os túneis), é usado na agricultura biológica, permite a circulação de ar e das águas da chuva, a respiração do solo e o acesso a animais, o que pode ajudar a controlar pragas.
A associação das empresas de Inês Sousa Real ao uso de estufas ganhou mais escala depois de terem sido noticiados anúncios de emprego para essas empresas onde eram mencionadas estufas e não túneis. Sobre isto, o PAN diz que “prende-se tão somente com o facto de, neste tipo […]