A SIC acompanhou equipa que inclui tartufaio italiano e as cadelas Laika e Lola. Vieram a convite do Chef Tanka Sapkota e estão a meio de uma aventura de quatro semanas.
Uma parte do território português reúne condições para o desenvolvimento de trufas, um fungo que cresce junto às raízes de algumas árvores. Pela primeira vez, há uma equipa com cães caçadores de trufa à procura deste alimento muito apreciado da cozinha italiana.
“Dai, Lola”, “dai, Laika”, é o que mais se ouve num dia com a equipa que inclui Giovanni e as cadelas. Vieram de Itália para procurarem trufa em Portugal a convite do Chef Tanka Sapkota, que trabalha com trufa há 30 anos.
Há inúmeras espécies deste fungo, mas nem todas são comestíveis. O objetivo desta prospeção é encontrar trufa negra ou bianchetto, trufas de valor menor quando comparadas com a exclusiva trufa branca encontrada na região de Alba, em Itália.
Apesar do otimismo de Tanka Sapkota, o Chef admite que encontrar este tipo seria “um milagre”, por isso o foco é mesmo a trufa negra. “Já mobilizava muita coisa, teríamos florestas mais limpas, a ecologia a funcional e a economia local mudava completamente”, explica.
Parte do país tem condições favoráveis para o desenvolvimento deste fungo debaixo da terra. São necessários solos calcários, de pH neutro ou alcalino e vegetação e clima adequados. Será um pedaço do país, na Beira Litoral, da Serra de Sicó até à Serra d’Aire e Candeeiros, às portas de Lisboa.
Os bosques sem aproveitamento económico poderiam vir a ser uma “exploração de pleno direito, com tanto rendimento como o eucalipto”, como explica Pedro Bingre do Amaral, que acrescenta que seria possível resolver o que resumo como a quadratura do círculo: conservar a natureza e dinamizar a economia da região.
O professor das áreas da engenharia florestal, engenharia do ambiente e ordenamento de território é um dos especialistas entusiasmado com o projeto que acabou por se juntar à equipa no terreno. Algumas das trufas recolhidas foram enviadas para a Universidade de Évora, de onde uma investigadora também veio para se encontrar com Tanka, Giovanni e o resto da equipa.
Têm encontrado alguma trufa vermelha. É comestível e tem um bom sabor, segundo explica Tanka, é até utilizada em Itália, mas tem pouco valor comercial porque tem de ser consumida em pouco tempo (menos de 3 dias).
O tamanho das que têm sido apanhadas não permitiria cozinhar um prato à altura, mesmo que no próprio dia em que as retiram do solo. A seca do verão passado terá travado o desenvolvimento das trufas, e, por outro lado, a chuva dos últimos dias também pode estar a dificultar o trabalho de Lola e Laika, que farejam o chão com afinco.
O aroma é sentido à superfície, mas as trufas estão em profundidade, junto às raízes de árvores como carvalhos, castanheiras ou avelaneiras, com as quais criam uma relação de simbiose – com vantagem para ambos os organismos.
As trufas são retiradas pelos cães, treinados desde pequenos para o trabalho, e preferidos aos porcos, que tendem a comer o que encontram. Em Itália, esta é uma atividade que chega a ser perigosa pela competitividade que a escassez do produto cria. A caça é feita à noite e no maior secretismo possível para que outros caçadores não saibam onde foram encontradas trufas. Por isso, os cães não ladram, usam açaime para evitar envenenamentos, e depois da busca, a terra é reposta para apagar vestígios.
Da terra para a mesa
As regiões de Alba, no Piemonte, dão origem às mais desejadas e mais caras. Um especialista consegue perceber pelo aroma de onde são as trufas, percebe as nuances entre o cheiro das de verão e de inverno. A grande questão, “o sonho”, como exclama o Chef Tanka, é saber como vão cheirar as trufas portuguesas.
Pela ciência, faz sentido que se desenvolvam trufas de interesse económico em Portugal. Se a equipa não as encontrar desta vez, pode repetir a prospeção lá para abril, altura em que amadurece outro tipo de trufa. Mas se, mesmo assim, não surgirem nessa altura, ainda há esperança através da replicação do processo natural em laboratório.
Já se faz em Espanha e está a ter resultados após 4 a 6 anos da plantação, mas em Portugal o caminho também já começou a ser percorrido. Patrícia Figueiredo é investigadora na GreenClon e veio encontrar-se com a equipa em Ansião, Leiria, para mostrar um exemplar juvenil de medronheiro com a infeção pelo fungo tuber melanosporum já a desenvolver-se. As micorrizas que mostra nas raízes vão evoluir para serem trufas negras se as condições no terreno forem as indicadas. E isso sabemos que há, na Beira Litoral.
O medronheiro é uma das árvores em que era pouco provável que o fungo se desenvolvesse. Por isso, em árvores como carvalho, pinheiro ou choupo-negro, naturalmente na paisagem portuguesa, será possível aplicar o método e recuperar o interesse económico que tem vindo a ser perdido.