A guerra e a seca estão a fazer o Norte recordar as produções de cereais e batata, contou à Lusa Armando Carvalho, presidente da Federação Nacional dos Baldios e assessor da Associação de Agricultores e Pastores do Norte (APT).
Numa conversa com a Lusa em que abordou as circunstâncias atuais e futuras do setor, sobretudo devido ao contexto de guerra e seca, Armando Carvalho acabou por se concentrar numa avaliação mais estrutural do setor agrícola nortenho.
“Por exemplo, nos finais do século passado, 60% do centeio vinha de Trás-os-Montes. Nós agora só temos praticamente cereal para autoconsumo”, disse à Lusa o presidente da Baladi (Federação Nacional dos Baldios) e assessor técnico da APT, referindo que hoje em dia “praticamente já não há batata [transmontana] no mercado nacional”, mas sim estrangeira.
O especialista refere que os produtores do Norte dominavam “muito bem” o ciclo de produção da batata, por se tratarem de “produções tradicionais” que eram articuladas com as do litoral (mais precoce) que, quando acabavam, a transmontana abastecia o mercado, num período mais tardio.
“A batata, o cereal e a carne eram três culturas muito próprias da agricultura de montanha, de altitude, e só aí é que se produzia esta qualidade”, disse à Lusa Armando Carvalho.
O responsável frisou ainda que “em todo o planalto mirandês, que é uma área que nós chamamos de Alentejo de Trás-os-Montes, havia inclusivamente o triticale, o centeio, e hoje está completamente abandonado”.
O antigo membro da direção da APT, agora assessor técnico da associação, salientou que se quiser “um alqueire, dois alqueires ou três alqueires, já não se consegue arranjar”.
Apesar da análise preocupada ao setor, Armando Carvalho considera que “não vai haver falta de alimentação”, deixando, porém, o alerta de uma “alimentação com encargos maiores”, tanto para o gado como para o consumidor final.
“Se vamos ter de importar vindo da Argentina, das Américas, e os cereais do Canadá e de outros sítios, só a distância que temos para vencer vai tornar os produtos um bocado mais onerosos e aumentar as dificuldades”, referiu.
O responsável não deixou de apontar que a Europa “ainda tem alguns ‘stocks'” de cereais e está “a viver das reservas que cada país tem”, alertando, no entanto, que Portugal não tem “praticamente nada” em termos de cereais.
A adicionar à guerra, os pastores do Norte receiam também a seca, que pode ameaçar as raças de gado autóctone, dado que este tipo de animais não pode comer ração e depende dos fenos usualmente recolhidos no final de junho, fase de alimentação de muitas das raças locais.
“A grande questão agora, não vindo mais chuva, é qual a capacidade que têm para manter o efetivo que têm”, disse Armando Carvalho sobre as pessoas que “têm animais que tradicionalmente pastoreiam ou em terrenos privados ou em terrenos baldios”.
O receio é que “tenham de vender os animais”, configurando a situação “uma quebra do rendimento dos pastores e dos agricultores”.
Recordando que “os baldios não são só floresta, também são agricultura”, o presidente da Baladi considera que “quer o apoio ao investimento quer o apoio ao rendimento, todo ele está a ser direcionado para as grandes explorações agropecuárias do país”.
“Só se vai um bocado para a macroeconomia e a microeconomia tem ficado de fora, daí estarmos hoje numa situação verdadeiramente dramática, com o défice agroalimentar do país”, considerou.
Armando Carvalho considera que Portugal está “apenas a atender um tipo de agricultura, que é a agricultura superintensiva e mais industrializada”, mais presente no Ribatejo e Alentejo, mas “a desprezar completamente todo o Norte e Centro do país”.