A agricultora e enóloga Filipa Pato em entrevista à VISÃO
Foi difícil tirá-la do campo, das vinhas e da companhia dos 12 porquinhos, que lhe revolvem a terra e “purificam” a vinha, de tal modo ela anda apaixonada pela agricultura biodinâmica e entusiasmada a fomentar a biodiversidade. Esperou-nos na berma da estrada, em Murtede, poucos quilómetros depois da saída da Mealhada, na A1, num todo-o-terreno minimal descapotável. E logo abalámos para os caminhos de terra que nos levam às leiras de vinha em Casal Comba. Não parece, mas o Atlântico fica a 15 km. “Esta zona da Bairrada sempre foi a mais dividida e a mais pobre”, avisa, para explicar a razão de as suas parcelas estarem dispersas e intercaladas com as de outros proprietários. “Cada leira tem entre 1 000 e 2 000 m², não mais.” Mas, no conjunto, são já 20 hectares que estão sob a sua alçada. A casta tradicional da região, a Baga, é a sua rainha. Prova: “Hummm, estão boas já! Esta Baga criada desta forma tem um aroma e uma fruta fantásticos”. Quando, finalmente, chegámos a casa, em Óis do Bairro, já o marido, William Wouters, ex-chefe, ultimava os preparativos do almoço, na sua sala-atelier de cozinha com vista ampla para as colinas do Caramulo, que separam a Bairrada do Dão. Finalmente, conseguimos sentá-la para acabar esta entrevista. Aos 48 anos, Filipa Pato vive o seu “sonho realizado”, feliz pelo “reconhecimento internacional” que atribui pontuações máximas aos seus vinhos, mas, sobretudo, por transmitir aos seus dois filhos, de 12 e 14 anos, um certo modo de vida.
Porque é que optou pela agricultura biodinâmica?
Para criar um ecossistema equilibrado. Se tivermos várias árvores, oliveiras, figueiras, macieiras, um cover crop e muitas plantas diferentes, a videira ganha mais resistência e tem menos doenças. Ganha imunidade ao míldio e ao oídio.
A agricultura biodinâmica, fundada pelo filósofo Rudolf Steiner, foi desenvolvida a partir de 1920 e é associada a algum esoterismo. Como é que uma engenheira química, enóloga, foi ter aí?
No início trabalhava com o meu pai [o produtor Luís Pato]. Como gostava de conhecer o mundo, comecei a exportar os vinhos. Depois conheci o William, agora meu marido. Ele tinha um restaurante wine bar e montes de vinhos diferentes: franceses, italianos, sul-africanos, alemães… Muitos eram em biodinâmica. Percebi que esses eram diferentes e melhores, tinham uma alma especial, mais identidade. Visitávamos muitos produtores, sobretudo em França e na Alemanha. Fui aprendendo com eles e adaptando essas técnicas à Bairrada. Porque há coisas que não funcionam aqui, não faço copy-paste do que se faz lá. Procuro a biodiversidade local. Temos muito mais biodiversidade do que esses países. Temos plantas incríveis e há que as aproveitar.
Qual a vantagem da biodinâmica em relação ao biológico?
Os preparados, feitos no nosso quintal. Há o preparado 500, em que se mete a bosta dentro de um corno e se enterra no inverno, em outubro, e se retira na Páscoa. E quando sai fica tipo uma turfa que se mete em água, dinamiza-se, aplica-se no solo e cria uma biodiversidade impressionante. Estimula a vida no solo e purifica-o mais rapidamente. E há ainda o 501, o preparado de sílica, o pó da pedra partida, que se aplica na parte aérea. Protege das doenças, permite um crescimento mais equilibrado, desperta o aroma. Estimula o cosmos e ganha uma energia especial.
Acredita mesmo nessa estimulação do cosmos?
Acredito, porque vejo que funciona. No início, era cética. Sou engenheira química, não sou teóloga [Risos]. Fiz um ao lado do outro e vi que funcionava. E enquanto produtora certificada, sou obrigada a usar animais. Também é superimportante. Não tem necessariamente de ser o porco, pode ser qualquer animal que melhor se adapte ao local. Usei o porquinho, porque aqui o solo é argila e calcário e eles não conseguem focinhar mais do que 10 cm. Portanto, não atrapalham as raízes da videira e comem as ervas. Fazem uma descava fantástica. Antes fazíamos isto à mão, era um trabalho árduo e não conseguíamos fazer tão bem. Este é um solo duro, difícil de cavar. No inverno é uma papa e, […]