Arouca espera de quinta-feira a domingo milhares de visitantes na Feira das Colheitas, que, sendo a maior festividade local, celebra nesta edição 80 anos enquanto mostra identitária do território que a autarquia diz capaz de superar “qualquer dificuldade”.
A expressão é da presidente da câmara e traça um paralelo entre as origens do evento – que nasceu em 1944 para incentivar o regresso à lida do campo, depois de anos em que o povo se concentrou a explorar minas de volfrâmio para alimentar as exigências bélicas da II Guerra Mundial – e a atualidade do município – ainda a fazer o levantamento dos estragos causados pelo incêndio da semana passada nesse concelho do distrito de Aveiro e da Área Metropolitana do Porto.
É por isso que Margarida Belém declara hoje à agência Lusa: “Estes 80 anos e o contexto em que a Feira das Colheitas surgiu são um testemunho fortíssimo de identidade e também de resiliência. São a prova de que, juntos, podemos ultrapassar qualquer dificuldade e de que, depois de termos visto na zona nascente do concelho um incêndio devastador que consumiu 20% do nosso território, estamos a reerguer-nos”.
A autarca socialista diz que a prioridade é “garantir que os que foram mais afetados pelo fogo são ressarcidos dos seus danos o quanto antes”, mas acredita que a componente psicológica também influi na recuperação. “Esperamos que a Feira das Colheitas seja uma fonte de alento nestes dias difíceis e contamos com largos milhares de visitantes em Arouca, para que, ao longo destes quatro dias de festa e de celebração da nossa identidade de matriz rural, visitem a vila e o concelho, dando assim um contributo fundamental para o reforço da sua atividade económica e turística”, explica.
Com um orçamento na ordem dos 450.000 euros, a Feira das Colheitas recebe anualmente cerca de 200.000 visitantes, atraídos por um programa que além de tabernas, um mercado de artesanato, uma feira de produtos regionais e concertos como o da banda Quatro e Meia, escolhida por voto da população, inclui também desfiles de gado, competições de animais, concursos de broa caseira e vinho verde, desfolhadas e jogos tradicionais.
Para Margarida Belém, um dos momentos altos do evento é o desfile etnográfico com cortejo de açafates. A parada com esses cestos de vime “foi talvez o momento mais marcante da primeira edição da Feira das Colheitas e isso levou a que nunca tivesse deixado de realizar-se, ganhando ainda mais força com a presença dos carros de bois e dos grupos folclóricos” – entre quadros cénicos relativos à exploração mineira, à apanha do mato e à colheita do milho.
O programa de 2024 integra ainda exposições como “As voltas do leite”, que até 29 de dezembro reúne no Museu Municipal de Arouca testemunhos e memórias de alguns dos protagonistas desse segmento agrícola. Lembrando que no concelho o uso de leite de vaca para fabrico de manteiga está atestado desde o século XVI, Margarida Belém diz que a mostra deixa claro como a produção leiteira “foi, por muitas décadas, um importante pilar do sustento económico das famílias locais”.
Outra exposição concebida para os 80 anos da Feira das Colheitas é “Ora, Cantate et Labora!”, que até 26 de outubro leva ao Mosteiro de Arouca diferentes manifestações daquela que é apontada como “a tridimensionalidade da cultura arouquense: espiritualidade, lavoura e festa”.
Com curadoria de Rita Roque e Jorge Sobrado, a exposição parte de retratos de 16 agricultores do concelho, registados pela fotógrafa Lucília Monteiro, e combina-os com arranjos musicais criados por Ivo Brandão, bisneto do fundador da Feira das Colheitas, a partir de arquivos sonoros das cantas locais e do trabalho no campo.
“Instalar uma exposição em claustros com a escala dos do mosteiro de Arouca pode ser uma dor de cabeça – tudo parece pequeno e perdido, tal é dimensão e a beleza arquitetónica do lugar”, realça Jorge Sobrado, vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte para a área da Cultura e Património. “Por isso, decidimos criar paisagens visuais de grande escala, com telas de dimensão entre os dois e três metros de altura, a partir dos baús de que dispúnhamos – isto é, de iluminuras de antifonários ou breviários, iconografias religiosas históricas, fotografias de arquivo dos anos 40 e 50 ou imagens inéditas contemporâneas”, revela o curador.
Para a cozinha do edifício classificado como Monumento Nacional ficou reservada “uma natureza morta que lembra grandes pinturas da história da arte portuguesa e europeia, e que é também uma evocação da abundância do antigo Mosteiro de Arouca”.