Existem árvores cujas propriedades preventivas e terapêuticas não têm passado despercebidas aos investigadores. Estudos recentes abrem pistas sobre novas aplicações dos compostos de árvores na medicina e sobre os seus benefícios na saúde. Um deles revela ainda como tornar mais sustentável a produção de medicamentos.
À medida que a ciência avança têm sido descobertas muitas das propriedades presentes nos compostos de diferentes partes de plantas e árvores. Alvo de investigação científica minuciosa como potenciais princípios ativos ou constituintes de novos medicamentos, vários estudos recentes continuam a revelar este potencial das árvores na medicina.
A busca por encontrar, no âmbito da medicina e farmacêutica, novas aplicações para as plantas e árvores é uma tendência justificada pela Organização Mundial da Saúde, que recorda: “Atualmente, cerca de 40% dos produtos farmacêuticos têm origem na natureza e conhecimento tradicional”, pelo que a investigação científica de produtos e extratos de plantas, alguns já utilizados na medicina tradicional (etnofarmacologia), pode revelar-se útil, tanto na identificação de novos compostos naturais com potencial clínico, como na demonstração dos seus benefícios em novas aplicações e doenças.
Neste artigo, destacamos novos estudos sobre o potencial de aplicação de cinco árvores na medicina. Todas as espécies estão presentes nas paisagens portuguesas, algumas já começaram a dar provas da sua eficácia e estão a ser investigadas como promessas para a saúde ou no fabrico mais sustentável de medicamentos.
1. Eucalipto: esperança para travar a doença de Alzheimer
As propriedades dos compostos presentes nas folhas do Eucalyptus globulus têm sido amplamente divulgadas graças ao seu efeito antimicrobiano e anti-inflamatório. Usada no alívio de sintomas associados à constipação e outras infeções das vias respiratórias, esta é uma das espécies mais conhecidas quando falamos de árvores na medicina.
Mas talvez não saiba que o potencial das substâncias ativas presentes nesta espécie tem sido objeto de novas pesquisas para o tratamento de doenças neurodegenerativas, nomeadamente a doença de Alzheimer, que constitui o distúrbio neurodegenerativo mais comum, a nível mundial, afetando principalmente idosos. A doença caracteriza-se por alterações cerebrais, que se manifestam através de sintomas como perda de memória e diminuição progressiva da função cognitiva e, atualmente, não existe cura para esta patologia, embora haja medicação para minimizar os sintomas cognitivos que lhe são característicos..
Estudo de cientistas portugueses foca o potencial do eucalipto contra a doença de Alzheimer
Em 2022, um estudo publicado no International Journal of Molecular Sciences , da autoria de cientistas portugueses, trouxe uma nova esperança. O trabalho demonstra que os compostos com características antioxidantes existentes nas folhas de eucalipto, como o eucaliptol (também designado por cineol), a quercetina, o ácido elágico e a rutina, têm efeitos benéficos na prevenção e redução de várias alterações cerebrais características do Alzheimer. Estes compostos melhoram a comunicação entre as células nervosas, assim como a capacidade de memória e de aprendizagem, que são afetadas quando a doença se desenvolve.
Por outro lado, estas substâncias combatem a inflamação do tecido nervoso (neuroinflamação) e o stress oxidativo. Este é um processo que ocorre quando a ação dos radicais livres (substâncias produzidas pelo organismo que, quando em excesso, provocam danos nas células) não é contrabalançada por substâncias antioxidantes. Tanto a neuroinflamação como o stress oxidativo contribuem para a progressão da doença de Alzheimer.
Apesar de ser necessária investigação adicional para confirmar esta descoberta, as conclusões deste estudo apontam para que os extratos das folhas de Eucalyptus globulus possam vir a ser usados como matérias-primas no desenvolvimento de produtos medicinais para a prevenção da doença de Alzheimer, bem como para a criação de terapias que modifiquem a progressão da doença.
Folhas de carvalho para problemas gastrointestinais
Os carvalhos (árvores da espécie Quercus) pertencem à família Fagaceae e várias espécies foram tradicionalmente usadas no tratamento de cicatrização de feridas, hemorroidas, doenças inflamatórias e diarreia.
A diarreia é um problema que pode surgir devido a disfunções na motilidade gastrointestinal (movimentos das paredes do intestino). Quando estes movimentos são afetados, podem surgir distúrbios gastrointestinais, como é o caso, entre outros, da obstipação (quando a motilidade é demasiado lenta) e da diarreia (quando a motilidade é muito rápida).
Estudo comprova efeito antidiarreico das folhas de carvalho
No início de 2023, investigadores do Egipto e Taiwan, avaliaram o teor fenólico de compostos existentes nas folhas do carvalho americano (Quercus coccinea) e do carvalho-roble (Quercus robur), em termos de efeito antidiarreico. Os compostos fenólicos, que englobam substâncias como os flavonoides, taninos e ácido ferúlico, têm vários efeitos protetores na saúde e são apontados pela ciência como tendo um papel importante na prevenção de doenças devido à sua ação anti-inflamatória e antioxidante.
Os resultados deste estudo revelaram que os extratos das folhas do carvalho americano e do carvalho-roble têm propriedades antidiarreicas. Os flavonoides e os taninos, entre outras substâncias presentes nas folhas dos carvalhos, poderão ter contribuído para esse efeito. De acordo com os investigadores, são necessárias mais pesquisas para estabelecer o mecanismo de ação da atividade antidiarreica verificada e purificar os compostos ativos responsáveis por essa atividade, antes de serem utilizados no tratamento da diarreia.
Sabia que…
Durante décadas, pensou-se que existiam oito espécies de carvalhos na flora nativa em Portugal. No entanto, uma nova lista botânica, publicada na revista científica Mediterranean Botany, resultante de anos de investigação de biólogos portugueses e espanhóis, atualizou o número de espécies para 11.
3. Confirma-se: gordura do fruto da oliveira aumenta longevidade
Desde há muito que são conhecidos e divulgados os benefícios do azeite, óleo vegetal obtido a partir das azeitonas, o fruto das oliveiras (Olea europaea), e um dos símbolos da Dieta Mediterrânica – que em 2013 foi declarada Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
Os antioxidantes que o azeite contém (vitamina E, carotenoides e compostos fenólicos) fazem dele um aliado do coração, protegendo-o das doenças cardiovasculares. Isto porque as gorduras monoinsaturadas podem ajudar a reduzir os níveis de colesterol LDL (lipoproteína de baixa densidade), conhecido também como “mau colesterol”. Quando os níveis de LDL no sangue são elevados, há um maior risco de estreitamento das artérias, causando doença cardíaca ou cerebral. O azeite também contribui para reduzir os valores da tensão arterial, que, quando elevados, aumentam o risco cardiovascular.
Estudo reforça relação entre consumo do azeite e redução da mortalidade
Em 2022, um estudo observacional debruçou-se sobre o impacte que o consumo de azeite poderia ter na redução da mortalidade total e no aumento da longevidade. Esta pesquisa, publicada no Journal of the American College of Cardiology, envolveu a análise de dois grandes trabalhos já publicados que, somados, acompanharam mais de 90 mil participantes de ambos os sexos, com uma média de idades de 56 anos, ao longo de 28 anos. Nesta análise foram tidas em conta variáveis relacionadas com o estilo de vida, estado de saúde geral e existência de doenças crónicas.
A análise demonstrou que os participantes dos estudos cujo consumo de azeite era habitual e superior a sete gramas por dia – o que equivale a mais de meia colher de sopa – tiveram um risco de mortalidade 19% inferior ao longo dos 28 anos de acompanhamento, quando comparados com os participantes que nunca ou raramente consumiam azeite.
A pesquisa abordou igualmente o impacte do consumo de azeite em causas específicas de mortalidade. O consumo de azeite estava associado a um risco 19% inferior de mortalidade por doenças cardiovasculares, 17% inferior de mortalidade por cancro, 29% inferior de mortalidade por doenças neurodegenerativas e 18% inferior de mortalidade por doenças respiratórias.
Olhando para os resultados do efeito de substituição, estimou-se ainda que consumir 10 gramas de azeite por dia em vez da mesma quantidade de margarina, manteiga, maionese ou gordura láctea reduz o risco de mortalidade entre 8% e 34%.
Sabia que…
A oliveira é uma das poucas plantas cultivadas de origem mediterrânica. Difundida há muito tempo, tem o seu nome associado ao sumo ou óleo da azeitona – o azeite. No passado, o azeite foi usado para iluminação, como bálsamo após o banho, para manter os músculos flexíveis, e em cremes para o corpo e cabelo. Hoje continua a ser o principal ingrediente do sabão de Castela e do sabão de Alepo da Síria, juntamente com o louro. A sua difusão é antiga e as referências à espécie em Portugal também.
4. Gingko biloba no tratamento de doenças oculares
O ginkgo (Gingko biloba), espécie reconhecida pela sua resiliência e longevidade, é proveniente do Sudeste da China, onde ainda existem exemplares em estado selvagem. Em Portugal, é plantado em parques e jardins pelo seu valor ornamental e resistência à poluição.
Os extratos das folhas e frutos desta árvore têm um uso milenar na medicina tradicional por conterem inúmeras substâncias antioxidantes e também “ginkgolídeos”, compostos exclusivos do ginkgo que têm sido alvo de pesquisa pelo seu potencial para a prevenção de várias doenças.
Os suplementos alimentares de ginkgo encontram-se entre os mais vendidos da Europa e dos Estados Unidos, devido às propriedades benéficas que lhe são atribuídas no âmbito da memória, concentração e saúde cardiovascular, entre outras.
De acordo com o Infarmed – Autoridade Nacional dos Medicamentos e Produtos de saúde, os extratos de ginkgo encontram-se na categoria de “produtos fronteira”, ou seja, compostos que podem estar definidos e ser comercializados, em paralelo, como medicamentos e como suplementos alimentares.
Estudo aponta benefícios do Gingko biloba no tratamento da miopia
A miopia é uma doença ocular que afeta pessoas em todo o mundo, estimando-se que metade da população mundial seja míope até 2050. Atualmente, existem várias estratégias para abrandar a progressão da miopia, desde intervenções farmacológicas a intervenções óticas. Outra abordagem que demonstrou resultados positivos é o aumento do tempo ao livre com exposição à luz solar.
Os raios solares incluem no seu espetro várias tonalidades de luz, como a luz azul e a luz violeta. Em várias pesquisas, a luz azul foi dada como inibidora da miopia e a luz violeta demonstrou suprimir o desenvolvimento da miopia em modelos animais e humanos. Além disso, esta exposição aumentou a expressão do gene supressor da miopia Egr-1, tanto in vitro como in vivo.
Considerando que a expressão do gene Egr-1 pode ser usada como um marcador da miopia, um estudo japonês, de 2023, avaliou 207 substâncias naturais e produtos químicos orgânicos que pudessem afetar a expressão deste gene. Descobriu-se, assim, que os extratos de Ginkgo biloba, administrados por via oral em modelo animal, foram o segundo maior ativador do gene Egr-1 de entre todos os compostos analisados nesta pesquisa.
Ao demonstrar como os extratos naturais de ginkgo foram eficazes no controlo da miopia, num modelo animal, este estudo lança uma base para futuras pesquisas sobre a administração destes extratos em humanos e, em simultâneo, uma nova aplicação destas árvores na medicina.
Sabia que…
O ginkgo é o único representante vivo da ordem Ginkgoales, sendo um verdadeiro “fóssil vivo”. Pouco mudou nos 200 milhões de anos de existência na Terra e é uma sobrevivente. É uma espécie com longa longevidade (há exemplares com cerca de 4 mil anos) e o seu nome biloba deriva do formato das folhas, com dois lobos que lembram um leque.
5. Compostos do pinheiro tornam produção de medicamentos mais sustentável
Existem medicamentos que se encontram tão enraizados no nosso dia a dia que nem questionámos a forma como são produzidos. É o caso do paracetamol e do ibuprofeno, dois dos fármacos conhecidos pelas suas propriedades analgésica e anti-inflamatória. O que talvez não saiba é que o seu fabrico utiliza precursores químicos extraídos do crude, combustível fóssil que contribui consideravelmente para o aumento das emissões de CO2.
Com o intuito de encontrar uma alternativa mais ecológica para a produção dos medicamentos em larga escala, reduzindo a sua dependência do petróleo – e das respetivas oscilações de preço – uma equipa de cientistas da Universidade de Bath (Reino Unido) conduziu um estudo que levou à descoberta de uma nova forma de produzir paracetamol e ibuprofeno através de um modelo de biorrefinaria de base florestal.
Assim, além do potencial das árvores na medicina, abre-se uma nova via à aplicação das árvores e seus compostos na produção farmacêutica, com benefícios na redução das emissões de gases com efeitos de estufa provenientes desta indústria.
Alternativa pode revolucionar a indústria farmacêutica
A matéria-prima escolhida foi um composto biorrenovável existente nos óleos essenciais de pinheiro e noutras espécies coníferas, denominado beta-pineno (β-pineno), precursor da terebentina – essência extraída da resina. O β-pineno está também presente nos óleos essenciais de algumas ervas aromáticas (por exemplo, da salsa e dos coentros) e de especiarias (como a pimenta e a noz-moscada).
Nesta pesquisa, o β-pineno foi convertido num “intermediário” importante dos processos químicos necessários para a produção de diversos compostos orgânicos, incluindo produtos farmacêuticos como a 4-isopropenilcicloexanona. Essa conversão química envolve a modificação da estrutura do β-pineno para formar este “intermediário”, que é depois usado na síntese do paracetamol e ibuprofeno.
Além do β-pineno para a produção de medicamentos com efeitos analgésicos, os investigadores sintetizaram outros compostos da terebentina como, a 4-hidroxiacetofenona (4-HAP), já utlizada na produção de betabloqueadores, uma classe de fármacos utilizada maioritariamente no tratamento de problemas cardiovasculares.
O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.