Esgotada a água benta dos últimos dias, vivemos o tempo mais quente e seco desde que há registos e também escasseia a água propriamente dita: a que bebemos e a que consumimos na rega, na indústria e no banho.
A água é a mais antiga das nossas memórias, e quanta desperdiçamos! Lembro o meu avô, Francisco, no tempo em que as férias me devolviam à aldeia, e a falta de água já era uma das faces da invariável injustiça do mundo. Todas as noites, depois de dar de comer ao gado e antes de se deitar, o velho endireitava-se no curral para olhar o céu, encontrar sinais de uma chuva que raramente vinha quando mais falta fazia. E quando ela finalmente caía, mansa e copiosa sobre a horta, era ouvi-lo murmurar: “Bendita água, louvado seja Deus!”
A água era um prodígio imprevisível. Caía do céu ou brotava do interior obscuro da terra, mesmo da própria rocha, como num milagre bíblico, de poços e nascentes que se regiam pelas suas próprias leis secretas. A água era a divindade cruel, que tanto podia abençoar o esforço do trabalho quanto arrasá-lo. E havia fontes muito celebradas pela limpidez e pureza das suas águas, em áreas arborizadas, frescas no verão, onde o gentio guardava a sua vez para encher os cântaros.
Entre secas mais severas e inundações catastróficas, está aí a emergência climática e, diante […]